Seis grandes vozes brasileiras

Para uma edição do programa de TV “Saia Justa” (do GNT), de 2004

A voz de Elza Soares é uma força e uma beleza da natureza. Eis a mais exuberante de nossas vozes femininas. Elza é um caso espantoso de cantora de jazz de morro não formada por nenhuma escola de jazz, um caso impressionante de uma cantora inata de jazz auto-formada no morro carioca. Aliás, Elza Soares é o produto mais sofisticado de todas as favelas do mundo.

A voz de Caetano é a demonstração do que a inteligência pode fazer pelo canto. Aplicando a inteligência a suas interpretações, ele nos traduz como poucos um grande número de canções dos mais diversos gêneros, autores e períodos. Na bela voz de Caetano ele põe a bater o coração do pensamento mágico dele. É um caso de auto-educação vocal que levou a uma notável evolução, a ponto de ele se tornar o cantor maravilhoso que ele é hoje.

Elis Regina é a nossa Sarah Vaughan. Nenhuma outra, dentre nossas cantoras, a supera em matéria de aperfeiçoamento técnico. E técnica é algo muito importante para um cantor: para um artista. Mas Elis não é, naturalmente, apenas técnica. É mais, é também expressividade. Uma expressividade, aliás, que às vezes chega ao expressionismo mesmo. É nesse sentido que ela não constitui uma cantora de bossa-nova.

A voz de Gal Costa é como o próprio nome verdadeiro dela diz: uma graça, uma gracinha. Gal nos encanta cantando porque sua voz possui uma graça natural. Eis o segredo do encanto do canto dela. Ela é a principal discípula de João Gilberto, mas seu canto assimilou também elementos de outros gêneros e escolas: do rock, sobretudo. É que, mais do que uma bossa-novista, Gal é uma cantora tropicalista.

João Gilberto é o mais revolucionário dos cantores modernos. É quem reinventou o canto de nosso tempo, quem alterou nossos critérios de avaliação do que seja cantar bem, afinado e bonito. Pouca coisa é tão bonita e tão afinada quanto o canto de João. E tão significativa também. Sua voz é tão rica de sugestões que nela podemos sentir um Brasil do passado, do presente e até do futuro. Na verdade, o que a voz dele nos passa é a sugestão de um Brasil melhor, a sugestão e a lição do melhor do Brasil.

São necessários milhões e milhões e milhões de nascimentos de seres humanos – e até de aves canoras – para dentre os milhões e milhões de vozes desses seres todos surgir uma com a beleza e a capacidade de comoção da voz de Milton Nascimento, especialmente do seu falsete. Quase nada no mundo é tão bonito e emocionante quanto a voz de Milton. Milton, Ray Charles, Bola de Nieve, todas essas são comoventes vozes raras de uma mesma grande família.