João de Barro

Publicado em 2001 na série de sites “Os Inventores da Música Brasileira”, do portal UOL

Um compositor realmente popular

“Yes! Nós Temos Bananas”, “Touradas em Madri”, “Pastorinhas”, “Carinhoso”, “Pirata da Perna de Pau”, “Chiquita Bacana”, “Balancê”, “Cantores do Rádio”. Peças estabelecidas na nossa memória coletiva, essas músicas se mantêm populares até hoje, mesmo tendo sido compostas, na maior parte, há mais de 60 anos. De comum entre elas, uma única coisa: o nome do compositor carioca João de Barro.

Também chamado de Braguinha, ele é uma das figuras de vida e arte mais longas da história da música popular brasileira. Com mais de 400 criações (aí incluídas suas versões para canções estrangeiras), JB assina uma das maiores obras já produzidas por um compositor nacional. No início do século 21, é o remanescente mais longínquo e importante de uma época realmente de ouro de nossa canção: os anos 30, era fundante de – e fundamental para – tudo o que veio depois dela, da bossa-nova e do tropicalismo à MPB contemporânea.

O rei das marchas de carnaval

João de Barro, Braguinha, se especializou em marchas carnavalescas que fizeram enorme sucesso até perto do final dos anos 50. Alguns de seus clássicos nesse gênero chegaram a obter projeção internacional, como “Touradas em Madri” e “Chiquita Bacana” (além do samba-canção “Copacabana”).

Diferentemente do samba carnavalesco, uma criação tipicamente negra saída das classes humildes da população do Rio de Janeiro, a marchinha foi inventada e desenvolvida por compositores da classe média carioca. É o que conta Jairo Severiano em sua biografia de João de Barro, “Yes, Nós Temos Braguinha”. O pesquisador aponta também as principais características do gênero: “O ritmo alegre, saltitante; a melodia simples, fácil de cantar; a letra leve, satírica e bem-humorada”.

Dois compositores serviram para consolidar o prestígio da marcha carnavalesca: Lamartine Babo e João de Barro. Um fino senso de humor e um raro poder de observação foram decisivos para o sucesso de ambos.

Em Braguinha, Severiano destaca, como objetos fundamentais explorados por suas marchas, “a exaltação da mulher e a crônica do cotidiano. Esses temas, ele os desenvolveu num estilo que combina simplicidade, bom gosto e senso crítico, com doses certas de lirismo, humor e malícia”.

Parceiros e intérpretes

João de Barro se tornou o sucessor de outro grão-mestre do carnaval brasileiro, Lamartine Babo. Braguinha começou a compor tentando copiar Lalá, no início da década de 30. Da imitação passou à paródia, com “Linda Lourinha” (em resposta a “Linda Morena”, de Babo, do carnaval de 1933), chegando por fim à co-autoria, em “Uma Andorinha Não Faz Verão” e “Cantores do Rádio” (esta, uma “triceria” de JB, Lamartine e Alberto Ribeiro).

Alberto Ribeiro – autor, sozinho, de um clássico da música junina: “Sonho de Papel” – foi o parceiro mais constante de JB. A primeira autoria da dupla, “Deixa a Lua Sossegada”, satirizou o culto da imagem romântica da lua: “É madrugada;/ De longe eu vim./ Deixa a Lua sossegada/ E olha pra mim…” Das aqui citadas até agora, só não são dos dois “Pastorinhas” (com Noel Rosa) e “Carinhoso” (com Pixinguinha), além de “Pirata da Perna de Pau” e “Linda Lourinha”, só de Braguinha.

JB compunha assobiando, pois não “sabia” música. Com Ribeiro, dividia sons e palavras. E geralmente fazia só as letras das músicas compostas com os demais parceiros, entre os quais figuraram nomes como os de Alcir Pires Vermelho (co-autor de “Laura”) e Antonio Almeida (de “Vai com Jeito”).

Desses modos tiveram origem composições que se popularizaram nas vozes de Carmen Miranda, Mário Reis, Silvio Caldas, Orlando Silva, Francisco Alves, Carlos Galhardo, Carmen Barbosa, Emilinha Borba, Jorge Goulart e outros grandes intérpretes que se distinguiram nos anos 30, 40 e 50. Nos 60, ele seria regravado por Caetano Veloso; nos 70, por Chico Buarque, Maria Bethânia e Nara Leão e, especialmente, por Gal Costa, que estourou com “Balancê”; e nos 90, por Djavan.

Pré-bossanovista e pré-tropicalista

Marchas, sobretudo – mas não apenas. João de Barro também excursionou pelos terrenos da valsa, da toada, do samba, do samba-canção. Compostas neste gênero, aliás, se alinham duas músicas já tidas como precursoras da bossa-nova: “Laura” (parceria com A.P. Vermelho) e “Copacabana” (com A. Ribeiro), lançada por Dick Farney, em 1946.

Em matéria de antecipação, no entanto, o caso mais notável é o de “Yes! Nós Temos Bananas”, tropicalista – trinta anos antes! – na essência, na medula e na gênese: a marcha emprega um recurso artístico caro ao Tropicalismo, a paródia, tendo nascida como réplica a um fox americano em moda na época, “Yes! We Have No Bananas”. Não foi à toa, portanto, que Caetano Veloso a regravou em plena vigência do movimento, em 1967, movido talvez pela sua inclusão na revolucionária encenação de “O Rei da Vela”, do diretor Zé Celso Martinez Correa, naquele ano.

A precursora tropicalidade de Braguinha, porém, é evidenciada também por outra criação sua, a versão que fez para “Las Tres Carabelas” (“As Três Caravelas”). E que de novo o próprio Caetano, em dueto com Gilberto Gil, gravaram no álbum coletivo “Tropicália ou Panis etc Circensis”, em 1968.

Algo mais sobre “Yes! Nós Temos Bananas”. A par de suas conotações socio-econômicas, definindo um retrato a um tempo cômico e crítico das condições de nosso país, a música revela um outro componente distintivo do estilo de Braguinha e expressivo da brasilidade: o sexual. De fato, a malícia se faz presente em várias de suas canções, relacionada com o espírito do carnaval e do próprio brasileiro.

Clássicos da música infantil

Se por um lado muitas das canções de João de Barro são maliciosas, por outro, várias são por sua vez perpassadas por uma singeleza que caracteriza de modo especial uma parte significativa da sua vasta produção: a dirigida ao público infantil. Nenhum, dentre os grandes autores da história da MPB, se dedicou tanto a este filão como o criador (com Alberto Ribeiro) de “Capelinha de Melão”.

A popularidade de sua incursão no gênero – que incluiu dezenas de versões de canções americanas – é comparável à dos hinos que Lamartine Babo compôs para os clubes de futebol do Rio, tantas e tão conhecidas são as peças das adaptações de histórias infantis que fez. Alguns exemplos: “Chapeuzinho Vermelho”, “História da Baratinha”, “Pinóquio” e “Branca de Neve e os Sete Anões”.

Seus primeiros trabalhos do tipo coincidiram com o início das suas dublagens e traduções para filmes de Walt Disney no Brasil, em 1940. Desde 1935, JB já vinha trabalhando em cinema, tendo colaborado nos argumentos, roteiros, direção e trilhas dos históricos musicais “Alô, Alô, Brasil”, “Estudantes”, “Alô, Alô, Carnaval” e “Banana da Terra”.

Braguinha foi um polivalente em sua carreira, tendo também exercido a função de diretor artístico em gravadoras como a Columbia e a Continental. Nesta, se distinguiu ainda como produtor de uma coleção de discos infantis muito bem-sucedida comercialmente.