Musas de canções-cantadas às centenas

Jorge Ben Jor fez “Domingas” e provavelmente “Domingaz” e “Maria Domingas” para a mulher homônima, sua esposa. E desfiou a mais longa série de canções com nomes de mulher já lançada por um compositor brasileiro, inspirado sabe-se lá em quantas e quais figuras reais ou inventadas: Tereza, Bebete, Denise Rei, Ive Brussel, Comanche, Berenice, Gertrudes, Maria Luiza, Katarina, Bizância, Irene, Ana Tropicana, Lorraine, Jesualda, Barbarella, Aparecida, Terezinha, Zula, Palomaris, Magnólia, Adelita, Norma Jean, Dorothy, Luciana, Lady Benedicta, Mis X e Mona Lisa, além de Xica da Silva (a lendária figura da história do Brasil) e Rita Jeep (Rita Lee, ao que tudo indica).

Chico Buarque, vice-campeão nacional em canções contendo nomes próprios femininos, cantou Rita, Madalena, Carolina, Januária, Joana, Ana de Amsterdan, Bárbara, Terezinha, Angélica, Iracema, Lola, Nancy, Renata Maria, Rosa, outra Rosa, Lia, Lily Braun e Beatriz – esta última, segundo se imagina, para a atriz Marieta Severo, com quem foi casado. Duas receberam nomes de filhas suas e de Marieta: Sílvia e Helena. Uma, o de sua avó Cecília. Outra, o de sua irmã Cristina.

Gilberto Gil compôs duas das suas mais importantes canções para as duas mulheres mais importantes de sua vida e as nomeou com os nomes delas: Flora e Drão (apelido daquela que deu título ainda a uma outra música sua, “Sandra”).

Mais autobiográfico, Caetano Veloso, que dedicou “Irene” a uma irmã, também homenageou as duas mulheres com quem se casou em “Branquinha”, apelido de Paula Lavigne, e “Este Amor”, para Dedé Gadelha (que também ganhou “Minha Mulher”). E presenteou três atrizes com quem namorou com “Vera Gata”, para Vera Zimmerman, “Capte-Me Camaleoa”, para Regina Casé, e “Trem das Cores”, para Sônia Braga.

Outro que cantou a mulher (Mila, sutilmente citada no verso “Me lava a alma”), depois de Anna Julia: Marcelo Camelo, em “Samba a Dois”. Lenine também, em “Anna e Eu”. E a namorada: Chico Science, em “Risoflora”.

Outro cultor de musas nomeadas, Tom Jobim criou belas palavras e sons para Ângela, Lígia, Luiza, Ana Luiza, Dindi, Tereza e Gabriela (contrabandeada de Jorge Amado). Duas beldades, Helena e Nelita, inspiraram ao seu parceiro Vinicius de Moraes “Garota de Ipanema” e “Minha Namorada”, respectivamente. O poeta também escreveu “Gilda” para sua última mulher, a jornalista Gilda Mattoso.

Scarlet Moon foi cantada pelo marido Lulu Santos, com a participação de Rita Lee, na canção homônima. Erasmo Carlos também encontrou motivos na esposa, Nara, para criar “Superstar”. O mesmo se deu com seu parceiro de fé e irmão-camarada Roberto Carlos, a quem não faltou estímulos para trovar seu amor “sem limite” por Maria Rita.

Mais uma que foi cantada pelo marido, Paulo Cesar Pinheiro: a cantora Clara Nunes, em “Mineira” e em “Guerreira”. Baby Consuelo, pelo amigo e companheiro de Novos Baianos Luiz Galvão, em “Preta Pretinha” (na qual o grande letrista também aludiu sutilmente a uma namorada sua de nome Socorro, em “Só, somente Só / Assim vou lhe chamar,/ Assim você vai ser”). A poetiza Ledusha, por Ronaldo Bastos. E a celebridade Tiazinha, por Vinny.

Madalena serviu de mote para duas canções, uma de Martinho da Vila, uma de Ivan Lins – que, com Vitor Martins, também encontrou estímulos em Dinorá.

Lupicínio Rodrigues, autor confesso de canções-verdade com base em experiências amorosas reais, fez “Iná” e “Maria Rosa” inspirado em dois casos chamados… Iná e Maria Rosa. A união com Cerenita também foi celebrada em “Exemplo”. O mesmo ocorreu com Cartola, que deu para a sua Zica, como presente de casamento, “Nós Dois”.

Ceci, a maior paixão de Noel Rosa, lhe rendeu canções até pouco antes de morrer, quando ele fez “Último Desejo”. E a escurinha Izabel, a maior de Geraldo Pereira, rendeu a ele… “Escurinha” e “Izabel”.

Dorival Caymmi é outro grande cantor de nomes femininos: Anália, Rosa, Rosas, Doralice, Dora (segundo a lenda, uma prostituta do Recife) e uma das mais célebres musas do cancioneiro brasileiro: Marina. Outra dessas, Amélia, de Ataulfo Alves e Mário Lago, foi de fato uma mulher de verdade: a lavadeira da cantora Aracy de Almeida. Mas não é muito provável que Rosa, de Pixinguinha e Otavio de Souza, tenha se baseado numa figura real.

Luiz Gonzaga: Rosinha, Ana, Xandu. Lamartine Babo: Joux Joux. Ari Barroso: Maria. Assis Valente: Maria Boa. João de Barro: Mimi, Laura, Chiquita Bacana. Wilson Batista: Emília. Herivelto Martins: Izaura, Odete. E Joubert de Carvalho: Maringá.

Jair Amorim: Conceição. E Adoniran Barbosa: Iracema.

Antonio Adolfo: Sá Marina.

Tim Maia e Carlos Imperial: Cristina. Walter Franco: Iara. E Sidney Magal: Sandra Rosa Madalena.

Cazuza: Beth Balanço. Fausto Fawcett: Kátia Flávia.

Todos deram suas cantadas.

Todos usaram a canção para dar grandes cantadas. Muitos, para dar grandes cartadas.

Atrás de um grande cantor-poeta-compositor há sempre o nome de uma musa? Ou na frente de um a imagem de uma?