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Todas Elas Juntas Num Só Ser – Número 2



Não canto Ive Brussel, Denise Rei,
Dumingaz, Rita Jeep de Ben Jor;   
Não canto a moça do galante Wando,
Nem canto a aeromoça de Belchior;
Nem Sarah nem a baby-blue de Dylan,
Nem Sally nem a doce Jane, de Lou;
Nem Angie nem a Lady Jane de Jagger;
Nem Scarlet Moon de Lee e de Lulu.

De Simon, nem Cecilia e Mrs. Robinson:
Só deixam minha lista mais extensa;
Nem la femme, l´amour de Reginaldo;
Nem la belle de jour de Alceu Valença;
De Assis Valente, nem Maria Boa;
De Lupicínio, nem Maria Rosa;
De Zé Ramalho, nem a mulher-frevo
Nem a nova, bonita e carinhosa.

Só você,
Hoje eu canto só você,
Só você,
Nem uma outra mais tem meu querer.

E danem-se Diana, de Paul Anka;
A falsa loira, de João Bosco e Aldir Blanc;
De Samuel Rosa com Chico Amaral,
A tal garota nacional, do Skank;
E Ruby e Georgia, musas de Ray Charles,
E Ruby, joia de Thelonious Monk,
E Ruby Tuesday, outra de Mick Jagger –
Além das tais mulheres honky-tonk;

Maria e mais Maria solidária,
De Milton Nascimento com Fernando Brant;
Maria, a escandalosa e a Candelária,
De Klécius Caldas com Armando Cavalcanti;
E de Caetano, para Cássia Eller,
A criatura, a gata extraordinária,
Como a menina do anel de lua
E estrela de Vinícius Cantuária.

Só você,
Eu sou quem flama, chama por você;
Só você,
Meu sal, meu mel mesclado com dendê.

Nem Sá Marina, de Gaspar e Adolfo,
Nem Dinorá, de Vitor com Ivan;
Izaura, de Herivelto com Roberti;
Clarice, de Caetano e Capinan;
Da miss de Bosco e Blanc, a Miss Suéter,
À de Roberto e Rita, a Miss Brasil 2000;
Nem Mabellene e a sixteen, de Chuck Berry;
De Little Richard, nem miss Molly nem Lucille.

E nem a mariposa de Adelino
E nem a marcianita de Alderete
E nem a moreninha de Zé Rico
E nem a mascarada de Elton e Zé Kéti
E nem a Colombina de Ed Motta
E nem a Cinderela de Rossini           
E nem a burguesinha de Seu Jorge
E nem a Tiazinha – uh! – de Vinny!

Só você,
Eu hoje elevo e louvo só você,
Só você,
Que eu clamo e que eu declamo como o quê.

Da brasileira de Benito à espanhola
De Guarabyra e Venturini em dupla,
Nem a mineira de Nogueira com Pinheiro,
Nem a garota de Berlim de Supla,
Nem a de Gil garota do Barbalho,
Nem as de Herbert meninas do Leblon,
Nem a de Bowie, mina lá da China,
Nem as mulheres de LA de Morrison;

E, de José Fortuna, nem a índia,
Sangue tupi, a flor do Paraguai;
E, de João de Barro, nem Mimi,
A japonesa (sic) de Xangai,
E nem Chiquita lá da Martinica;
Nem, de Chico, as muchachas de Copacabana,
Nem a morena do chocalho lá de Angola;
E de Emicida enfim nem a baiana.

Só você,
Ninguém me inspira mais do que você,
Só você
Eu canto e eu decanto com prazer.

Jamais alguém já fez alguém fazer
Uma canção que nem você me fez;
Nem mesmo Rita e Martha, a Paul MacCartney;
Tampouco Yolanda, a Pablo Milanês;
Nem Conceição, a Dunga e Jair Amorim;
E nem Cristina, a Tim e Carlos Imperial;
Nem Florentina de Jesus, a Tiririca;
Nem Sandra Rosa Madalena, a Magal;

Jamais também um cantautor cantou
Numa canção assim a sua amada,
Nem Dylan totalmente apaixonado
À dama de olhos tristes da Baixada;
É justo então que você dê pra mim de vez,
Só dessa vez, eu juro pelos deuses!
Só uma vez… ou só mais umas dez…
Vezes dez vezes dez… vezes dez… vezes!

Só você,
Ninguém desejo mais do que você,
Só você,
Você, meu grande amor, meu grande tê.

Você é como a mina preciosa
De Péricles e Augusto com John Donne;
Como o xodó, a paz de Dominguinhos;
O bem-querer, o encanto de Djavan;
Como a sereia de Lulu com Nelson Motta;
A fada, a doce amada de Zezé;
Como a sofisticada dama de Duke Ellington
E como a puta de Odair José.

Você é para mim e o meu amor
Profundo, grande e largo como o mar,
Mais que a donzela foi pra Luiz Melodia,
Mais que Luzia foi pra Itamar;
Que Xanduzinha pra Luiz Gonzaga
E Capitu para Luiz Tatit,
E que a namoradeira pra Rincon e Lia
E que a praieira pra Nação Zumbi!    

Só você,
Que é tudo, tudo, tudo, só você,
Só você,
Que é todas elas juntas num só ser.

Todas Elas Juntas Num Só Ser – Final

Por adorá-la mais que Dorival
A Dora, Doralice, Gabriela,
E por querê-la mais do que Cazuza
Pôde querer Querelle, ó minha estrela,
Por horas, dias, mil e uma noites,
Eu mais de mil canções evocaria
Nessa canção e tão-somente nela,
Pra ter você pra sempre e mais um dia;

Canção que é feita de canções já feitas
Pra se cantar alguém, alguém qualquer,
E que são feitas sempre, pois tem sempre,
Pra se cantar, alguém a quem se quer,
Como você, que é uma canção em si,
Como essa aqui, que é uma canção sem fim,
Pois não acabam as canções de que ela é feita,
Nem por você o meu querer tem fim.

Só você
Faria-me fazê-la, só você,
Só você
Me inspira – e eu transpiro no fazer.

E pausa e finda assim num pseudofim,
E pára aqui pra que não se prolongue,
A minha “Sad Eyed-Lady of the Lôwlands”,
A minha “You´re The Top”, minha list-song,
Canção cantada escrita dita dada
Tão-só para você, que para mim
É tal como o cherie amour de Wonder
E assim como a querida de Jobim,

Canção que cessa mas que recomeça,
Que o rol de músicas e musas não acaba,
De “Maringá”, de Joubert de Carvalho,
Até “Mulher do Paraná”, de Sorocaba,
Além do mais sua beleza é uma grandeza
Que nem numa canção como essa cabe,
E faz com que o desejo por você
Que nunca cessa em mim não mais acabe.

Só você,
Você, você, você e só você,
Só você
É todas elas juntas num só ser.

*

Letra de 2016

O Cortejo Afronta

O Cortejo afronta demais
Meu peito pelo bloco palpita
O Cortejo apronta mais
Meu corpo atrás do trio se precipita

O Cortejo afronta demais
Meu peito pelo bloco palpita
O Cortejo apronta mais
Meu corpo atrás do trio se precipita
(Pita, pita, pita, pita…)

No Cortejo afroestético
Poético
Imagético também
Minha gente pira já lá no Pelô [*]
E já se inspira (pira, pira, pira, pira…)

O cortejo é de Exu e de axé
E com Exu não há quem compita
No Cortejo de arte e fé
Um grande artista com Exu apita

O cortejo é de Exu e de axé
E com Exu não há quem compita
No Cortejo de arte e fé
Um grande artista com Exu apita
(Pita, pita, pita, pita…)

O Cortejo afrodisíaco
Dionisíaco
Pro ilíaco faz bem
Minha gente pira já no Corredor
E já transpira (pira, pira, pira, pira…)

Defaunação

Da onça-pintada ao mico-leão-dourado e ao pica-pau, 

Da anta ao mutum, do boto ao cuatá, veado e ao urutau,

Milhões de animais silvestres agora vivem um stress fatal,

Perdendo habitat com a mutação climática mundial

E com a letal ação da agropecuária industrial.

Tucano, macaco-prego, preguiça, águia, lobo-guará,

Guaruba, raposa, tamanduá-bandeira ao deus-dará.

Oh como uma espécie humana é tão desumana, oh deus, tão má

E nem tão inteligente pois atacando o ambiente, tá

Pilhando o planeta só pelo bruto lucro que a carne dá.

Coral, jacaré, queixada, tatu, queimados num fogaréu,

Bovinos e porcos e aves criados do modo mais cruel.

Milhares de corpos num dos horrores mores perante o céu. 

E todos são sencientes da natureza do seu papel,

E sentem felicidade e tristeza, como você e eu.

Aranha, ariranha, gato-maracajá, murucututu,

Calango, tucunaré, tangará, tiê-sangue, tuiuiú

Cuidar do seu bem estar sem deixar nem UM sapo jururu

Também é cuidar das plantas e dos biomas de norte a sul,

É bom para o mundo todo, pra todo mundo, pra mim e tu.

Da arara à tartaruga, ao araçari, beija-flor e mais: 

Da abelha ao zogue-zogue, ao cuxiú, peixe-boi e tais:

Os animais são humanos também e nós somos animais. 

Mas já abatemos a maioria deles, os ancestrais, 

Oh mãe, não podemos ameaçá-los nem extingui-los mais.

Mácula

Como negar esse mal,

Essa mácula,

Essa marca trágica,

A bruta chaga                

Tão real,

Tão áspera,

Da brutal diáspora.

Sendo já um mal implícito,

Alguns alegam que não há.

Porém negar o ilícito

Ao negro é negar

O seu direito de viver

E de ser

Livre, sem temor,

Sem ser

Preso pela sua cor

Um terror!

Como apagar esse borrão
Dessa página

Duma tal abolição

Sem uma paga?

Já outra lágrima
Cai por mais um negro irmão.

Eis aí mais uma vítima

Da desumanização.

Por isso tão legítima

É a reparação

E seu direito de viver

E de ser

Livre, sem temor,

Sem ser
Morto  pela sua cor.

Um terror!

Para negar esse mal,
Essa mácula,

Essa marca estrutural

Que tudo estraga,

Só sendo um crápula,

Um sinhô ou um boçal,

Uma praga.

Já um chamado à prática

Convida o branco a se alinhar

Na luta democrática

E ao negro se aliar

Por seu direito de viver

E de ser

Livre, sem temor,

Sem ser
Suspeito pela sua cor.

Como apagar esse mal,

Essa mácula!

Maria do Céu

Se a Nasa me convidasse
Para um passeio no espaço
Eu viajaria ao léu
Ao lado das lamparinas
Das estrelas peregrinas
Na romaria do céu

E teria o visual
Belíssimo, celestial
Da Terra azul no painel
Qual uma bola boiando
Da qual me distanciando
Me aproximaria do céu

E de repente, de um salto
Que a nave desse pro alto
Subiria sob o véu (*)
Que a chuva de luz de prata
Caindo que nem cascata
Derramaria do céu

Ante o turbilhão de astros
De planetas e desastres
E cometas pra dedéu (de déu em deu)
Meu coração astronauta
Lá do alto exclamaria:
Viche Maria do céu!

Variantes:

(*) Eu me cobriria com o véu
Da chuva de luz de prata
Caindo que nem cascata
Que se derramaria do céu

()Meu coração na vertigem ()
Da visão exclamaria:
Virgem Maria do céu!

*

The Doomsday Clock (O Relógio do Juízo Final)

Clean were the waters in the river, in the sea;

A lovely blue sky sunset was a sight to see; 

And none imagined air so pure and oh so free.

For just a brief abnormal span we’d never seen,

In social distancing, in human quarantine,

Like never Nature thrived in many urban scenes.

And while a native sage with wise and holy words

Transmits ideas to delay the end of the world,

A fascist pale-face who can´t even think or feel

Denies with violence what is right and what is real,
And all he does and says with virulence some way

Daily speeds up the Doomsday Clock, the Judgment Day.

When will we learn how different in their worth

Are those who strive to own our Gaia, our sweet Earth,

From those who just belong to her, ever since birth?

We are the evil of the Earth and not the salt.           

We killed most animals and yes we still assault

The realms of trees and minerals to a fault.

While peoples said to be still primitive do work
And dance so lively to delay the end of the world,

So modern, the civilization of the West,

“Developed, rational, evolved”, just the best,

Is burning, razing its own house and by the way

Now is hurrying the Doomsday Clock, the Judgment Day.

Oh when will we be guided by a logic
More ecological and cool than economical, 
And above all by what we´d call a bio-logic?   

And see that in the Earth´s bio-diversity 
We´re not the central species, not at all, 

But we´ve been parasites and that´s reality.

While in their homeland rural blacks have danced and whirled,
And go play samba to delay the end of the world,

The livestock farmer´s and the soy landowner´s ways,

With their colonial school and eco-racist sway,

Their monoculture and industrial scales, they

Always hurry the Doomsday Clock, the Judgment Day.

And will man manage any way out of the traps,
If gas emissions reach a peak and if perhaps

All Amazonia is forecast to collapse?

If an apocalypse begins in times like these,

When average global temperature comes to increase,

Oh God forbid, by more than one point five degrees?

While scientists of fruitful work who love the world

Are raising warnings to delay the end of the world,

Oil dealers and loud neoliberals who stay

Denying global warming, lying anyway,

With faith in capital do prey from June to May,

Thus they speed up the Doomsday Clock, the Judgment Day.

Oh when will we wake up and see how vain

Is growth that brings destruction with such pain,

No income distribution, no release from chains,

No drop at all in social inequality,

Nor in the current carbon footprint that we see,

No “living well” in a “new normal”, clean and free?          

And while a kick ass activist, a damn good girl  ,      

May cry and get up to delay the end of the world,    

The multi, pan, transnational company

And the environment-adverse un-ministry,       

Land-grabbers and all miners who laws won´t obey,

They all speed up the Doomsday Clock, the Judgment Day.

Thinking about it all in this dramatic hour,

Fearing this tragic and erratic fate of ours,

I’m haunted by the phantoms of climate mutations,

And of the use of AI with such vile vocation,

And of a fatal cyber war that some predict,

And of the end atomic conflict will inflict.

If all is on the verge of ending as I´ve heard,   

I sing and play songs to delay the end of the world,

To reconnect to Mother Nature naturally,

And to recontact my ancestral memory,

To feel the joy to be alive and to delay

And to slow down the clock…

And to slow down the clock…

And to slow down the clock…

And to slow down the Doomsday Clock, the Judgment Day.

O Relógio do Juízo Final

No mar, no rio, na lagoa, a água clara;
No céu mais limpo, o pôr mais lindo, a imagem rara;

E um ar tão puro que ninguém imaginara.
Por um período breve apenas, anormal,
Na quarentena humana inédita, afinal,
Medrou na cena urbana a vida natural.

E enquanto um índio dono de um saber profundo
Propaga ideias pra adiar o fim do mundo,
Um cara-pálida fascista em potencial,
Negativista violento do real,
Tão virulento quão pandêmico-viral,
Acelera o Relógio do Juízo Final.

Quando é que vamos aprender a diferença
Entre quem quer que a Terra-Gaia lhe pertença
E quem pertence a ela, é dela de nascença?
Somos do mal, o mal da Terra, não o sal.
Matamos a metade do reino animal,
Tamos rapando o vegetal e o mineral.

Se um povo dito primitivo e vagabundo
Trabalha e dança pra adiar o fim do mundo,
A tal da civilização ocidental,
“Desenvolvida, evoluída, racional”,
Queima e arrasa a própria casa, com quintal,
E apressa o Relógio do Juízo Final.

Quando é que vamos nos guiar por uma lógica
Mais ecológica do que mercadológica
Ou econômica, por uma bio-lógica?
Ver que não somos uma espécie central
Na biodiversidade da Terra, da qual
Nós temos sido parasitas, na real.

Enquanto um quilombola de onde é oriundo
Batuca e samba pra adiar o fim do mundo,
O ruralista duma escola colonial,
O pecuarista numa escala industrial,
Monocultura e racismo ambiental,
Adiantam o Relógio do Juízo Final.

E como para o homem vai haver escape se
A emissão de gases atingiu um ápice,
E há previsão de que a Amazônia colapse?
E tá na gênese um “Apocalypse Now”,
Em que a temperatura média mundial
Aumenta igual ou mais que um e meio grau?

Enquanto um cientista de um labor fecundo
Emite alertas pra adiar o fim do mundo,
Negacionistas do aquecimento global,
Negociantes do petróleo, do pré-sal,
Fiéis à fé neoliberal do capital,
Aceleram o Relógio do Juízo Final.

Quando é que vamos acordar em quanto é vão
Um crescimento que produz destruição?
Que não há redenção sem distribuição,
Sem queda na desigualdade social
E na pegada de carbono atual,
E sem um “bem viver” em um “novo normal”?

Enquanto uma ativista foda, que vai fundo,
Protesta e luta pra adiar o fim do mundo,
A companhia múlti, pan, transnacional,
Qual o sinistro antiministro ambiental,
Qual o grileiro, o garimpeiro ilegal,
Acelera o Relógio do Juízo Final.

Pensando nisso tudo, em hora tão dramática,
Temendo nossa sina trágica e errática,
Me assombra a sombra de uma mutação climática
E duma guerra cibernética fatal,
Dum uso mau da inteligência artificial
E dum conflito nuclear final, total.

Se tudo, entanto, pode estar por um segundo,
Eu canto cantos pra adiar o fim do mundo,
Pra me reconectar à mãe original,
Recontactar minha memória ancestral
E ter o júbilo de estar vivo afinal,
Atrasando o Relógio…
Atrasando o Relógio…
Atrasando o Relógio… do Juízo Final.

Maria do Céu

Se a Nasa me convidasse

Para um passeio no espaço

Eu viajaria ao léu

Ao lado das lamparinas

Das estrelas peregrinas

Na romaria do céu

E teria o visual

Belíssimo, celestial

Da Terra azul no painel

Qual uma bola boiando

Da qual me distanciando

Me aproximaria do céu

E de repente, de um salto

Que a nave desse pro alto

Subiria sob o véu         

Que a chuva de luz de prata

Caindo que nem cascata

Derramaria do céu

Ante o turbilhão de astros

De planetas e desastres

E cometas pra dedéu                   

Meu coração astronauta

Lá do alto exclamaria:    

Viche Maria do céu!

Uma Vez, Uma Voz

Uma vez

Num lugar

Há muito tempo atrás

Uma voz

Pelo ar

O vento e nada mais

O luar

E bilhões

De brilhos no alto astral

No olhar

As visões

De um homem ancestral

De vagar

Devagar

O tempo se desfaz

Onde o ar

Som lunar

Momento que me apraz

Sombra e luz

Tons azuis

Penumbra prateada

Sonhos mil

No vazio

Da vista estrelada

Uma vez

Num lugar

A história se desfaz

Através

Do luar

Mistérios, nada mais

Escrita nos anos 1980

Triste Estrutura

A gameleira, a jaqueira, o coqueiro, as acácias caídas, tombadas em vão;

O Camarajipe, o Lucaia enterrados e ainda correndo debaixo do chão;

No alto elevado, no asfalto, do lado de mil automóveis, dois ônibus só;

Onde era a paisagem feliz de folhagens a triste estrutura que dói e dá dó.

As sumaúmas caindo uma a uma, sim, a sumaúma, das árvores mãe;

E cem centenárias extraordinárias, e tantas e várias mil plantas de Ossãe;

Por tal natureza de plena beleza, que plano, que reza, ação ou ebó

Reduz tal projeto, tão mau e obsoleto, de piche e concreto, a cinzas e pó?

Ó, orixás, ó meu pai, guardião,

Com um clarão iluminem

Mentes e homens de pouca visão;

Sábios que são, lhes ensinem

Como é sagrado o rio a correr               

E o verde ser que destroem;

Deuses, ecoem no ar nossa voz               

E a todos nós abençoem.

Que não derrubem mas plantem mais árvores e que não tampem o rio a rolar,

E que se resgate a nascente perdida e se escute o pedido da gente a clamar

Que parem a obra que cobra tão caro do povo, da flora e da fauna afinal,

E que sobretudo pro pobre se obre na dura cidade que não é igual.

Ó, orixás, ó meu pai, guardião,

Com um clarão iluminem

Mentes e homens de pouca visão;

Sábios que são, lhes ensinem

Como é sagrado o rio a correr               

E o verde ser que destroem;

Deuses, ecoem no ar nossa voz               

E a todos nós abençoem.

Lágrima

A mulher que eu quero não me quer.
Resta um gosto amargo de amar em vão.
Entro no meu quarto e a solidão me dói.
Eu já nem sei
O que sou eu.

De que vale um homem sem mulher?
Eu sem dona só me dano como um cão.
Ando abandonado e não sei onde ela foi.
Lhe telefonei;
Não atendeu.

Lágrima cai como fel,
Agre, má… cruel.
Lágrima…

No metrô, no trem, no ponto, a pé,
Vejo a sua imagem na imaginação.
Mais do que a ausência, é o silêncio que destrói:
Mensagem mandei;
Não respondeu.

Jogo, filme, show ou DVD
Não distrai a mente nem o coração.
Lá no fundo um arrependimento me remói.
O que farei,
Deus meu…

Lágrima cai como fel,
Agre, má… cruel.
Lágrima…

*

Eu Gosto do Meu Corpo

eu gosto do meu corpo
quando ele está com o seu
eu gosto do seu corpo
do que ele faz com o meu

é o que há de novo
e que se dá de novo

dia após dia
mês após mês
a cada dia
a cada vez
nunca é demais
sempre é demais

eu gosto do meu corpo
e gosto do seu corpo
eu sei do que ele gosta
e gosto do que ele faz

gosto disso, daquilo
daqui, dali
e de tudo mais
e de nada mais

eu gosto do seu corpo
e de fazer o que ele faz
eu gosto do seu corpo
e do prazer que ele me traz

Sincronicidade

Se eu penso em você
Meu marrom-glacê
Logo você dá de
Me ligar sem ninguém saber por quê

Se você, meu bem
Pensa em mim também
Por casualidade
Logo eu apareço aí, vindo do além

Nossa sincronicidade é tão mágica
Que nos conecta sem nenhuma lógica
(Nossa) sincronicidade maluca, é
Tal como um beque tal como um néctar
Para mim e pra você

Se eu penso em ti
Oh meu açaí
Sem causalidade
Chega um torpedo teu logo por aqui

Sim, é sempre assim
Pra você e pra mim
E pra sempre há de
Ser assim para nós dois até o fim

Nossa sincronicidade é tão mágica
Que nos conecta sem nenhuma lógica
(Nossa) sincronicidade maluca, é
Tal como um beque tal como um néctar
Para mim e pra você

Nossa sincronicidade é tão mágica

Oferta de Coração

Recebe
Da minha mão o meu coraçãozinho,
Bota num prato e num copo de vinho,
E come, e bebe.
Mata a tua fome e a tua sede.

Devora tudo devagarinho,
De naco em naco, de trago em trago.
Meu bem, tu já me fez um estrago;
Será que tu não sente, não percebe?

Pois eu acho
Que tu até acha graça…
Então, come, bebe:
Eu te ofereço de graça!
(Pra tua glória ou desgraça…)

Não tento
Com esse tinto te deixar mais tonta; (*)
Se é por instinto que tu só apronta,
Pois então, pronto!
Já passa da conta e do ponto!

Experimenta enquanto tá quente;
Depois esfria, fica uma bosta…
Te dou de coração, de presente…
Não é de carne e vinho que tu gosta?

Então, pegue!
É todo seu, coração…
Vamos, linda, brinde, (**)
Tome o meu coração!
(E leve o resto de brinde…)

______ __________________________
Variantes:
(*) Com esse tinto te deixar mais tonto;
(**) Vamos, lindo, brinde

Noite e Dia (Night and Day)

Como o beat-beat-beat do tantã,
Quando à selva desce um breu;
Como o tique-tique-taque sem nenhum destaque
De um relógio como o meu;
Como o pingo-pingo-pingo das gotas,
Quando já choveu pra chuchu;
Uma voz em mim repete assim: tu, tu, tu…

Noite e dia, só tu, meu bem,
Sob a Lua e sob o Sol não há mais ninguém.
Longe ou perto, coração,
Não importa onde estejas, não,
Eu penso em ti noite e dia.

Dia e noite, por que será
Que a paixão por ti me segue por onde eu vá?
No rumor das ruas, oh,
No silêncio do meu quarto só,
Eu penso em ti, noite e dia.

Noite e dia, bem fundo, ai de mim,
Uma fome tamanha teima, queima e não sai de mim.
Pra ter fim o meu sofrer,
Deixa te fazer amor enquanto eu viver,
Dia e noite, noite e dia.

____________________________________________________

Night and Day

Like the beat beat beat of the tom-tom
When the jungle shadows fall,
Like the tick tick tock of the stately clock
As it stands against the wall,
Like the drip drip drip of the raindrops
When the summer shower is through,
So a voice within me keeps repeating: you – you – you.

Night and day, you are the one,
Only you beneath the moon and under the sun.
Whether near to me or far,
It´s no matter, darling, where you are,
I think of you day and night.

Night and day, why is it so
That this longing for you follows wherever I go?
In the roaring traffic´s boom,
In the silence of my lonely room,
I think of you night and day.

Night and day, under the hide of me
There´s an, oh, such a hungry yearning burning inside of me.
And its torment won´t be through,
Till you let me spend my life making love to you,
Day and night, night and day.

Música e letra de Cole Porter
1935

Noite e Dia (Night and Day)

Como o beat-beat-beat do tantã,
Quando à selva desce um breu;
Como o tique-tique-taque sem nenhum destaque
De um relógio como o meu;
Como o pingo-pingo-pingo das gotas,
Quando já choveu pra chuchu;
Uma voz em mim repete assim: tu, tu, tu…

Noite e dia, só tu, meu bem,
Sob a Lua e sob o Sol não há mais ninguém.
Longe ou perto, coração,
Não importa onde estejas, não,
Eu penso em ti noite e dia.

Dia e noite, por que será
Que a paixão por ti me segue por onde eu vá?
No rumor das ruas, oh,
No silêncio do meu quarto só,
Eu penso em ti, noite e dia.

Noite e dia, bem fundo, ai de mim,
Uma fome tamanha teima, queima e não sai de mim.
Pra ter fim o meu sofrer,
Deixa te fazer amor enquanto eu viver,
Dia e noite, noite e dia.

Night and Day

Like the beat beat beat of the tom-tom
When the jungle shadows fall,
Like the tick tick tock of the stately clock
As it stands against the wall,
Like the drip drip drip of the raindrops
When the summer shower is through,
So a voice within me keeps repeating: you – you – you.

Night and day, you are the one,
Only you beneath the moon and under the sun.
Whether near to me or far,
It´s no matter, darling, where you are,
I think of you day and night.

Night and day, why is it so
That this longing for you follows wherever I go?
In the roaring traffic´s boom,
In the silence of my lonely room,
I think of you night and day.

Night and day, under the hide of me
There´s an, oh, such a hungry yearning burning inside of me.
And its torment won´t be through,
Till you let me spend my life making love to you,
Day and night, night and day.

Música e letra de Cole Porter
1935

Hasta! *

* Versão Feminina

Que amor é esse…
Mais parece desamor.
Você ama odiar
Aquilo que cê ama, o seu amor.
Você me aborrece,
Corta o meu tesão;
Por qualquer razão, sem razão,
Arma logo um barraco no meu barracão.

Que amor, que nada…
Quem entende o seu humor
E o seu gosto em desgostar
Aquela que cê gosta, o seu amor?!
Isso me enfada;
Foda, meu irmão;
E como reclama, oh não;
Inclusive na cama faz reclamação.

Basta!
Você só me afasta de você.
Pasto
E só me desgasto com você.
Paz!
Disso eu sou capaz,
Vou seguir em paz sem você.
Basta!
Hasta!

Desse amor me arranco,
Pra fugir do seu rancor.
Você briga por brigar
Com sua grande amiga, o seu amor.
Você nem é franco;
Homem sem noção.
Eu perco a razão, com razão,
Se você cria caso e causa discussão.

Basta!
Você só me afasta de você.
Pasto
E só me desgasto com você.
Paz!
Disso eu sou capaz,
Vou seguir em paz sem você.
Basta!
Hasta!

Cheia de Graça

Cheia de graça mas… de graça cômica,
De apelos visuais é econômica.
E assim nem sempre apraz
Qualquer rapaz.

Sua figura nem de longe helênica
De perto nada tem de fotogênica.
Seu riso causa só
Riso ou dó…

Porém de alma tal,
Não há alguém igual,
Tão nobre, tão sutil;
Um coração sorriu
E só lhe pede que
Não mude um fio de
Cabelo para si.

Falta dos tais fatais dotes estéticos,
Não faz comerciais para cosméticos.
Nem mesmo se produz.
Nunca fez nus.

Por menos uma atriz faria plástica
Na boca, no nariz – e mais ginástica:
Muita musculação…
Mas ela não.

Porém de alma tal,
Não há alguém igual,
Tão nobre, tão sutil;
Um coração sorriu
E só lhe pede que
Não mude um fio de
Cabelo para si,
Pois ele assim a quer,
Sem disfarçar sequer,
Tal como ela é:

Cheia de graça…

Ê Fuzuê

Ê canto & dança a que não me recuso Ê
Beleza que em palavras mal traduzo Ê
Zilhões de luzes, cores, sons num carnaval profuso Ê
Fuzuê

Ê explosão feliz-fugaz de um povo excluso Ê
Bando de gente que nem eu com quem eu cruzo Ê
Bloco de mulamamelucaboclofuso Ê
Fuzuê

Ê gringo branco com razão confuso Ê
Cristão entrando em transe ou parafuso Ê
Que regozijo & gozo & riso de um prazer difuso Ê
Fuzuê

Ê fuzo ê fuzo ê fuzo ê fuzo ê
Fuzuê

Cisma

Seu sorriso é como um sol de pura luz;
Abre um céu de mil azuis,
Me acende e me seduz.

Mas seu coração tão frio, tão lunar,
Misterioso como o mar,
Não me faz senão cismar.

Bela dama que não sei se sabe amar,
Se é amável ou é má,
Sei que veio me abalar –

Por debaixo desse gelo se deduz
O seu facho que reluz
Sutilmente a olhos nus

Só quero ter você,
Ah como eu quero esquecer você.
Distante de você,
Só quero estar diante de você.

Em que praia agora o sol se reproduz
Em sua pele que reluz
Como ouro, a anos-luz?

Em que espaço agora espalha-se ao passar
Sua doce voz no ar,
Tão profunda como o mar?

Só quero ter você,
Ah como eu quero esquecer você.
Distante de você,
Só quero estar diante de você.