Arquivo da categoria: Vicente Barreto

Do Álbum “Miscelânea” de 2018

Ficou pra trás,
E nada traz
De volta mais
Aquilo, ó!
No tempo jaz,
E tempo faz
Que virou gás
Ou virou pó.

Se já não há,
Por que será,
Em mim, que ‘tá,
E dói que só?
Aonde eu vá,
Aquilo lá
Saudade dá
E dá um nó.

Saudade, quando mais se adensa,
E traz a presença
Do que não está,
E que ressurge para nós
Do tempo, dos seus cafundós;

O tempo, com sua matéria
Dura, seu mistério
Puro, sem parar,
Resumindo a nada,
Reduzindo a pó
Pedra, vida, estrada,
Com a sua mó –

A sua máquina,
Que o mundo mói
E fundo rói,
Sem pena, nem dó,
Quem pena, tão só.

Saudade dói
Do que vivi,
Do que morreu
E virou pó;
Do que se foi,
Do que eu vi,
Do que fui eu,
Da minha vó.

Esse Rio


de “Vicente”, de Vicente Barreto

2008_Vicente_Barreto_Vicente_1024

Veja só esse rio,
Que lentamente flui,
E o fio
Que se dilui
Nesse rio
E o polui.

Eu já tomei banho aqui,
Antes o meu pai tomou;
Água que daqui bebi,
Ih, sujou…
Era linda e límpida;
Hoje nela se espalhou
Uma espuma química;
Oh que horror…

Um saco plástico
Flutua à sua flor,
E ao redor
Turva o ar
Um fedor
De amargar.

E eu já tomei banho aqui,
Antes o meu pai tomou;
Um lugar sagrado se
Degradou.
Ói só o que o homem fez!
Era necessário? Não.
Ói só que insensatez!
Sem-razão!

Carcaça de automóvel, peça de museu:
É pau, calhau, metal, papel;
É tanto objeto;
É tão abjeto:
É dejeto,
É pneu,
É garrafa pet…
Água igual tapete
Mal reflete
O alto céu.

E eu já tomei banho aqui.
Antes o meu pai tomou.
Um lugar sagrado se
Degradou…
Hoje é um depósito
De lixo aquele rio;
É um despropósito,
-ta que pariu!