Arquivo da categoria: Iara Rennó

Terra Desolada

Um silêncio, um vazio,
Quase nem um pio.
Um calor, um calafrio;
Um clarão sombrio.

Vida seca, torta, morta
Pelo fogo mau;
Matagal agora só
É pedra, pó,
Fumaça e tocos…

Homens ocos, homens loucos,
Grandes vândalos!
Longa noite, que demanda luz…

Rastro de destruição,
Resto de tição.
Aves, árvores no chão;
Dor no coração.

Terra desolada
E assolada afinal;
Mata desmatada ao sol,
Queimada ao sol,
Sem vigilância.

Oh ganância, ignorância,
Que nos causa horror,
Indignado ódio, dó e dor!

Milagre

Milagre!
Multiplicou-se em cem uma semente,
Em mil, em mil e cem, uma somente,
Uma semente só, tão resistente!

Milagre!
Dentro do ventre tal como um cometa,
Entre milhões apenas um gameta,
Não mais do que um gameta, chega à meta.

Milagres como esses são diários,
Mas não milagres extraordinários:
Milagres, mas milagres ordinários.

Milagre!
Que coisa incrível, sim, que coisa louca,
A guerra da saliva em minha boca
E a longa vida, oculta, da minhoca!

Milagre!
A efêmera beleza de uma flor!
O pouco odor, o tom marrom da cor
E a boa forma, firme, de um cocô!

Milagres como esses são diários,
Mas não milagres extraordinários:
Milagres, mas milagres ordinários.

Milagre!
Viver por toda a vida, todavia,
Morrendo e renascendo a cada dia,
Com o pé quente e a cabeça fria.

Milagre!
Provar o sal, o amargo, o doce, o agre!
E derramando a comovida lágri-
Ma, comprovar que a vida é um milagre!

Milagres como esses são diários,
Mas não milagres extraordinários:
Milagres, mas milagres ordinários.

Milagre, ah, milagre, oh, milagre!

Transformação

Estou no alto de um monte da Mantiqueira em Mairiporã
Almoçando arroz integral, alga, agrião, nabo, abóbora e doce de maçã
O que é fácil hoje será difícil amanhã
A morte é o fruto da vida, disse Omar Khayyam
Estou no alto de um monte da Mantiqueira em Mairiporã

Tudo está relativamente bem
Canta um sabiá, a voz ecoa, voa, volta, vai e vem
Saúde vale mais que ouro, euro, dólar, uon, yuan, yen
Pra ter saúde tem que ficar doente, porém
Tudo está relativamente bem

Uma revolução se processa dentro de mim
Sei que a doença, a fome, a miséria e a guerra nunca terão fim
Nada é inteiramente yang, nem inteiramente yin
Tenho que dizer muitos nãos para dizer um sim
Uma revolução se processa dentro de mim

Meu mestre me falou que o bom é mau e o mau é bom
E que foi o maior orgasmo o da mulher do samurai em “Rashomon”
Uma palavra só detona mais que um megaton
O que não pode um mantra, um mantra com seu som?
Meu mestre me falou que o bom é mau e o mau é bom

Estou à beira do mar, lugar comum
Me refazendo todo, fazendo jejum
Sei que não há só deus, há deusa, e deus não há só um
E o um dá dois, o dois dá três, o três dá tudo e tudo ad-infinitum
Estou à beira do mar, lugar comum

Estou no alto de um monte da Mantiqueira em Mairiporã