Publicado na revista “Época” em 10/8/1998, sob o título“Radicais MCs – contundentes na forma e na temática”
A radicalização da violência social no Brasil não poderia deixar de ter sua expressão igualmente violenta e radical na música brasileira: os Ra¬cionais MC’s. Já vão longe os tempos em que Chico Buarque, nos anos 60, começou a obra que lhe renderia o epíteto de “poeta social” da MPB. Nos anos 90, os mais novos poetas so-ciais de nossa música atendem pelos nomes de Mano Brown e Edy Rock.
Comum a um e outros, há a ideolo¬gia, de esquerda. Em Chico, porém, existe um componente utópico que seria pouco provável num jovem de hoje – menos ainda em um da perife¬ria paulistana. De origem abastada, ele interpreta magistralmente uma tragédia a que assiste com envolvi¬mento e humanidade. Já os Racionais não apenas narram, mas são perso¬nagens reais desse filme de horro¬res que é o processo de miserabilização num país com um índice de desi¬gualdade quase sem igual no mun¬do. Mais importante: a par das signi¬ficações políticas e intenções de cons-cientização, suas letras são de alta qualidade artística.
Versos simples mas elaborados; ima¬gens claras e fortes; histórias bem desenvolvidas, personagens bem carac¬terizados. Uma poesia-vida usando a linguagem agressiva dos jovens ne¬gros de regiões pobres de São Paulo, entrecortada de gírias e palavrões, em raps de duração incomum. Sem concessões. Em processo de absorção, mas sem perder a contundência de seu dis¬curso político, poético. Éticos, os Ra¬cionais indicam a existência de digni¬dade em meio à vergonha nacional; ao descalabro. Não fosse tanta treva e tan¬ta sem-razão, talvez não houvesse Racionais. Se há Racionais, há luz.