Arquivo da categoria: Marcelo Jeneci

A Rima Perfeita

Como beijo com desejo,
Como sexo com amplexo,
Nós rimamos como o quê;
Como baccio e abbracio,
Qual lambida e comida,
Eu combino com você;
Qual carícia e malícia,
Poesia e fantasia;
Será que você não vê?

Que nem lalá
E ah… ah… ah… ah… ah… !;
Rimar assim que é bom
Que nem espasmos de orgasmos,
Em sentido e som,
Como em Drummond.

Como fire e desire,
Como love e meia-9,
Qual tesão e relação,
Como seios e anseios,
Como pelos e apelos,
Qual canção e acordeão.

Que nem lalá
E ah… ah… ah… ah… ah… !;
Rimar assim que é bom
Que nem espasmos de orgasmos,
Em sentido e som,
Como em Drummond.

Como frio e arrepio,
Como laço e amasso;
Nós rimamos como o quê;
Qual cometa e gameta,
Qual beleza e natureza,
Falta só você se convencer.

*

O Relógio do Juízo Final

No mar, no rio, na lagoa, a água clara;
No céu mais limpo, o pôr mais lindo, a imagem rara;
E um ar tão puro que ninguém imaginara.
Por um período breve apenas, anormal,
Na quarentena humana inédita, afinal,
Medrou na cena urbana a vida natural.

E enquanto um índio dono de um saber profundo
Propaga ideias pra adiar o fim do mundo,
Um cara-pálida fascista em potencial,
Negativista violento do real,
Tão virulento quão pandêmico-viral,
Acelera o Relógio do Juízo Final.

Quando é que vamos aprender a diferença
Entre quem quer que a Terra-Gaia lhe pertença
E quem pertence a ela, é dela de nascença?
Somos do mal, o mal da Terra, não o sal.
Matamos a metade do reino animal,
Tamos rapando o vegetal e o mineral.

Se um povo dito primitivo e vagabundo
Trabalha e dança pra adiar o fim do mundo,
A tal da civilização ocidental,
“Desenvolvida, evoluída, racional”,
Queima e arrasa a própria casa, com quintal,
E apressa o Relógio do Juízo Final.

Quando é que vamos nos guiar por uma lógica
Mais ecológica do que mercadológica
Ou econômica, por uma bio-lógica?
Ver que não somos uma espécie central
Na biodiversidade da Terra, da qual
Nós temos sido parasitas, na real.

Enquanto um quilombola de onde é oriundo
Batuca e samba pra adiar o fim do mundo,
O ruralista duma escola colonial,
O pecuarista numa escala industrial,
Monocultura e racismo ambiental,
Adiantam o Relógio do Juízo Final.

E como para o homem vai haver escape se
A emissão de gases atingiu um ápice,
E há previsão de que a Amazônia colapse?
E tá na gênese um “Apocalypse Now”,
Em que a temperatura média mundial
Aumenta igual ou mais que um e meio grau?

Enquanto um cientista de um labor fecundo
Emite alertas pra adiar o fim do mundo,
Negacionistas do aquecimento global,
Negociantes do petróleo, do pré-sal,
Fiéis à fé neoliberal do capital,
Aceleram o Relógio do Juízo Final.

Quando é que vamos acordar em quanto é vão
Um crescimento que produz destruição?
Que não há redenção sem distribuição,
Sem queda na desigualdade social
E na pegada de carbono atual,
E sem um “bem viver” em um “novo normal”?

Enquanto uma ativista foda, que vai fundo,
Protesta e luta pra adiar o fim do mundo,
A companhia múlti, pan, transnacional,
Qual o sinistro antiministro ambiental,
Qual o grileiro, o garimpeiro ilegal,
Acelera o Relógio do Juízo Final.

Pensando nisso tudo, em hora tão dramática,
Temendo nossa sina trágica e errática,
Me assombra a sombra de uma mutação climática
E duma guerra cibernética fatal,
Dum uso mau da inteligência artificial
E dum conflito nuclear final, total.

Se tudo, entanto, pode estar por um segundo,
Eu canto cantos pra adiar o fim do mundo,
Pra me reconectar à mãe original,
Recontactar minha memória ancestral
E ter o júbilo de estar vivo afinal,
Atrasando o Relógio…
Atrasando o Relógio…
Atrasando o Relógio… do Juízo Final.

Doce Loucura

Feito Pra Acabar – 10 anos

Doce Loucura

Não quero coco nem cocada,
Não quero trufa nem pudim nem strudel,
Não quero bomba nem bom-bom em celofane.

Quero ficar me lambuzando
Em longos beijos, lânguidas lambidas,
Entre seus lábios, suas pernas, baby-honey.

Doçura é o seu amor, amor:
Não há bom-bom tão bom, com tal sabor.
Eis o mel melhor, o mel dos méis:
Amor da cuca até os pés.

Não quero ácido nem álcool,
Não quero êxtase nem tapioca,
Não quero gota na jujuba nem no “beize”…

Quero pirar com seu sorriso
E por seu corpo perder o juízo,
Transando sexo com você; you drive me crazy.

Loucura é o seu amor, amor:
Nenhum barato pode ser maior.
Eis o coquetel dos coquetéis:
Amor do coco até os pés.

Não quero doce,
Não quero bala,
Não quero coca nem tampouco chocolate.

Loucura, eu quero seu amor – amor:
Nenhum barato pode ser maior.
Eis o coquetel dos coquetéis:
Amor do coco até os pés.

Rara

Feito Pra Acabar – 10 anos

Rara

Como narrar a vinda
Da vida à vida mais que linda?

… E sussurrar a sutil melodia
E com a fala macia

Seu nome no seu ouvido.
É muito amor envolvido.

Como narrar a lenda
De um novo ser em nossa senda?

… E me amarrar a alguém minha cara
Tal qual à mãe me amarrara.

E ver jorrar a beleza
De vir à luz uma alteza,

Alguém que em nós engendramos,
E em quem nós continuamos…

*

Manifestação

Manifeste-se em um só coro, um só coração : https://www.manifestacao.org

Aqui ´stamos na avenida,
Pelas ruas, pela vida,
Marchando com o cortejo
Que flui horizontalmente,
Manifestando o desejo
De uma cidade includente
E uma nação cidadã tra-
Duzido numa canção,
Numa sentença, num mantra,
Num grito ou numa oração…

… Por todo jovem negro que é caçado
Pela polícia na periferia;
Por todo pobre criminalizado
Só por ser pobre, por pobrefobia;
Por todo povo índio que é expulso
Da sua terra por um ruralista;
Pela mulher que é vítima do impulso
Covarde e violento de um machista;

Por todo irmão do Senegal, de Angola
E lá do Congo aqui refugiado;
Pelo menor de idade sem escola,
A se formar no crime condenado;
Por todo professor da rede pública
Mal-pago e maltratado pelo Estado;
Pelo mendigo roto em cada súplica;
Por todo casal gay discriminado.

E proclamamos que não
Se exclua ninguém senão
A exclusão.

Aqui ´stamos nós de volta,
Sob o signo da revolta,
Por uma vida mais digna
E por um mundo mais justo,
Com quem já não se resigna
E se opõe sem nenhum susto
A uma classe dominante
Hostil à população,
Numa ação dignificante
Que nasce da indignação…

… Por todo homem algemado ao poste,
Tal qual seu ancestral posto no tronco;
E o jovem que protesta até que o prostre
O tiro besta de um PM bronco;
Por todo morador de rua, sem saída,
Tratado como lixo sob a ponte;
Por toda a vida que foi destruída
Em Mariana ou no Xingu, por Belo Monte;

Por toda vítima de cada enchente,
De cada seca dura e duradoura;
Por todo escravo ou seu equivalente;
Pela criança que labuta na lavoura;
Por todo pai ou mãe de santo atacada
Por quem exclui quem crê num outro deus;
Por toda mãe guerreira, abandonada,
Que cria sem o pai os filhos seus.

E proclamamos que não se exclua ninguém
Senão a Exclusão.

Eis aqui a face escrota
De um modelo que se esgota.
Policiais não defendem;
Políticos não contentam;
Uns nos agridem ou prendem;
Outros não nos representam.
E aquele que não é títere,
E é rebelde coração,
Vai no Face, no zapp e Twitter e
Combina um ato ou ação…

… Por todo defensor da natureza
E todo ambientalista ameaçado;
E cada vítima de bullying indefesa;
E cada transexual crucificado;
E cada puta, cada travesti;
E cada louco, e cada craqueiro;
E cada imigrante do Haiti;
E cada quilombola e beiradeiro;

Pelo trabalhador sem moradia,
Pelo sem-terra e pelo sem-trabalho;
Pelos que passam séculos ao dia
Em conduções que cansam pra caralho;
Pela empregada que batalha, e como,
Tal como no Sudeste o nordestino;
E a órfã sem pais hetero nem homo,
E a morta num aborto clandestino.

Impelidos pelos ventos
Dos acontecimentos,
Louvamos os mais diversos
Movimentos libertários
Numa cascata de versos
Sociais e solidários
Duma canção de protesto
Qual “Canção de Redenção”,
Uma canção-manifesto,
Canção “Manifestação”…

… Por todo ser humano ou animal
Tratado com desumanimaldade;
Por todo ser da mata ou vegetal
Que já foi abatido ou inda há-de;
Por toda pobre mãe de um inocente
Executado em noite de chacina;
Por todo preso preso injustamente,
Ou onde preso e preso se assassina;

Pelo ativista de direitos perseguido
E o policial fodido igual quem ele algema;
Pelo neguinho da favela inibido
De frequentar a praia de Ipanema;
E pelo pobre que na dor padece
De amor, de solidão ou de doença;
E as presas da opressão de toda espécie,
E todo aquele em quem ninguém mais pensa…

E proclamamos que não se exclua ninguém
Nem nada senão a Exclusão.

Dando à vida e à alma grande
Um sentido que as expande,
Cantamos em consonância
Com os que sofrem ofensa,
Violência, intolerância,
Racismo, indiferença;
As Cláudias e Marielles,
Rafaeis e Amarildos
Da imensa legião
De excluídos do Brasil, do S-
Ul ao norte da nação.

E proclamamos que não se exclua
Ninguém senão a Exclusão.

*

Show de Estrelas


de “Feito pra Acabar”, de Marcelo Jeneci

2010_Marcelo_Jeneci_Feito_pra_acabar_1024

Para Tomio Kikuchi

Era uma chuva, era um show de estrelas;
Chovia estrelas a granéu. (*)
Eram milhares de estrelas, uma chuva delas,
Caindo lá no chão do céu.

E
Diante da visão do firmamento,
Um pensamento vem ao coração:
De
Que cada um de nós não é senão uma estrela,
A brilhar no céu do chão.

Todos nós,
A brilhar, a brilhar,
Somos como luas e sóis
A girar, a girar…

E a chuva não cessava a sucessão
De pingos lá no chão do céu.
Era uma chuva de granizo de estrela em grão;
Chovia estrelas a granel.

E
Diante da visão do firmamento,
Na mente um sentimento se produz:
De
Que cada um de nós não é senão uma estrela,
Cada um, um ser de luz.

Todos nós,
A brilhar, a brilhar,
Somos sete bilhões de faróis,
A girar, a girar,
Tal como luas e sóis
A brilhar, a brilhar,
Como sete bilhões de faróis,
Todos nós, todos nós.

________________________

Variante:

(*) Chovia estrela pra dedéu.