Arquivo da categoria: Tetê Espíndola

Escrito nas Estrelas

Você pra mim foi o sol
De uma noite sem fim
Que acendeu o que sou,
Pra renascer tudo em mim.
Agora eu sei muito bem
Que eu nasci só pra ser
O seu parceiro, seu bem, (*)
E só morrer de prazer.

Caso do acaso bem marcado em cartas de tarô,
Meu amor, esse amor de cartas claras sobre a mesa
É assim.
Signo do destino, que surpresa ele nos preparou;
Meu amor, nosso amor estava escrito nas estrelas,
Tava, sim.

Você me deu atenção
E tomou conta de mim.
Por isso, minha intenção
É prosseguir sempre assim.
Pois sem você, meu tesão,
Não sei o que eu vou ser;
Agora preste atenção:
Quero casar com você.

_____________________

Variante:
(*) Sua parceira, seu bem,

Gravação lançada em 1996 no álbum “Canção Do Amor”, Tetê Espindola

O Relógio do Juízo Final

No mar, no rio, na lagoa, a água clara;
No céu mais limpo, o pôr mais lindo, a imagem rara;
E um ar tão puro que ninguém imaginara.
Por um período breve apenas, anormal,
Na quarentena humana inédita, afinal,
Medrou na cena urbana a vida natural.

E enquanto um índio dono de um saber profundo
Propaga ideias pra adiar o fim do mundo,
Um cara-pálida fascista em potencial,
Negativista violento do real,
Tão virulento quão pandêmico-viral,
Acelera o Relógio do Juízo Final.

Quando é que vamos aprender a diferença
Entre quem quer que a Terra-Gaia lhe pertença
E quem pertence a ela, é dela de nascença?
Somos do mal, o mal da Terra, não o sal.
Matamos a metade do reino animal,
Tamos rapando o vegetal e o mineral.

Se um povo dito primitivo e vagabundo
Trabalha e dança pra adiar o fim do mundo,
A tal da civilização ocidental,
“Desenvolvida, evoluída, racional”,
Queima e arrasa a própria casa, com quintal,
E apressa o Relógio do Juízo Final.

Quando é que vamos nos guiar por uma lógica
Mais ecológica do que mercadológica
Ou econômica, por uma bio-lógica?
Ver que não somos uma espécie central
Na biodiversidade da Terra, da qual
Nós temos sido parasitas, na real.

Enquanto um quilombola de onde é oriundo
Batuca e samba pra adiar o fim do mundo,
O ruralista duma escola colonial,
O pecuarista numa escala industrial,
Monocultura e racismo ambiental,
Adiantam o Relógio do Juízo Final.

E como para o homem vai haver escape se
A emissão de gases atingiu um ápice,
E há previsão de que a Amazônia colapse?
E tá na gênese um “Apocalypse Now”,
Em que a temperatura média mundial
Aumenta igual ou mais que um e meio grau?

Enquanto um cientista de um labor fecundo
Emite alertas pra adiar o fim do mundo,
Negacionistas do aquecimento global,
Negociantes do petróleo, do pré-sal,
Fiéis à fé neoliberal do capital,
Aceleram o Relógio do Juízo Final.

Quando é que vamos acordar em quanto é vão
Um crescimento que produz destruição?
Que não há redenção sem distribuição,
Sem queda na desigualdade social
E na pegada de carbono atual,
E sem um “bem viver” em um “novo normal”?

Enquanto uma ativista foda, que vai fundo,
Protesta e luta pra adiar o fim do mundo,
A companhia múlti, pan, transnacional,
Qual o sinistro antiministro ambiental,
Qual o grileiro, o garimpeiro ilegal,
Acelera o Relógio do Juízo Final.

Pensando nisso tudo, em hora tão dramática,
Temendo nossa sina trágica e errática,
Me assombra a sombra de uma mutação climática
E duma guerra cibernética fatal,
Dum uso mau da inteligência artificial
E dum conflito nuclear final, total.

Se tudo, entanto, pode estar por um segundo,
Eu canto cantos pra adiar o fim do mundo,
Pra me reconectar à mãe original,
Recontactar minha memória ancestral
E ter o júbilo de estar vivo afinal,
Atrasando o Relógio…
Atrasando o Relógio…
Atrasando o Relógio… do Juízo Final.

Outros Sons


Do Álbum “Poesia” de 2018

Num ritmo, num signo
Ígneo
De erres e orras
De esses e zorras
Num rito em urros
Risos, sussurros
Retecnizada
A tribo
Se desencerra
Na Terra

Rataplãs retumbantes, tantãs, tumbadoras, tambores
Sacra, sã sangração, sagra o clã em clamantes louvores

Em danças, transas, transes
Felizes e velozes
Vorazes e ferozes

Oh yeahvoé shazam!

bababadalgharaghtakamminarronnkonnbronntonnerronntuonnthunntrovarrnawnskawn […] !

Outros fins e outros trons
Outros timbres, outros tons
Outrossim outros a-tons
Outros sins e outros sons

Demarcação Já

Já que depois de mais de cinco séculos
E de ene ciclos de etnogenocídio,
O índio vive, em meio a mil flagelos,
Já tendo sido morto e renascido,

Tal como o povo kadiwéu e o panará –

Demarcação já!
Demarcação já!

Já que diversos povos vêm sendo atacados,
Sem vir a ver a terra demarcada,
A começar pela primeira no Brasil
Que o branco invadiu já na chegada:

A do tupinambá –

Demarcação já!
Demarcação já!

Já que, tal qual as obras da Transamazônica,
Quando os milicos os chamavam de silvícolas,
Hoje um projeto de outras obras faraônicas,
Correndo junto da expansão agrícola,

Induz a um indicídio, vide o povo kaiowá,

Demarcação já!
Demarcação já!

Já que tem bem mais latifúndio em desmesura
Que terra indígena pelo país afora;
E já que o latifúndio é só monocultura,
Mas a T.I. é polifauna e pluriflora,

Ah!,

Demarcação já!
Demarcação já!

E um tratoriza, motosserra, transgeniza,
E o outro endeusa e diviniza a natureza:
O índio a ama por sagrada que ela é,
E o ruralista, pela grana que ela dá;

Hum… Bah!

Demarcação já!
Demarcação já!

Já que por retrospecto só o autóc-
Tone mantém compacta e muito intacta,
E não impacta, e não infecta, e se
Conecta e tem um pacto com a mata

–Sem a qual a água acabará –,

Demarcação já!
Demarcação já!

Pra que não deixem nem terras indígenas
Nem unidades de conservação
Abertas como chagas cancerígenas
Pelos efeitos da mineração

E de hidrelétricas no ventre da Amazônia, em Rondônia, no Pará…

Demarcação já!
Demarcação já!

Já que “tal qual o negro e o homossexual,
O índio é ´tudo que não presta´”, como quer
Quem quer tomar-lhe tudo que lhe resta,
Seu território, herança do ancestral,

E já que o que ele quer é o que é dele já,

Demarcação, “tá”?
Demarcação já!

Pro índio ter a aplicação do Estatuto
Que linde o seu rincão qual um reduto,
E blinde-o contra o branco mau e bruto
Que lhe roubou aquilo que era seu,

Tal como aconteceu, do pampa ao Amapá,

Demarcação lá!
Demarcação já!

Já que é assim que certos brancos agem:
Chamando-os de selvagens, se reagem,
E de não índios, se nem fingem reação
À violência e à violação

De seus direitos, de Humaitá ao Jaraguá;

Demarcação já!
Demarcação já!

Pois índio pode ter Ipad, freezer,
TV, caminhonete, “voadeira”,
Que nem por isso deixa de ser índio
Nem de querer e ter na sua aldeia

Cuia, canoa, cocar, arco, maracá.

Demarcação já!
Demarcação já!

Pra que o indígena não seja um indigente,
Um alcoólatra, um escravo ou exilado,
Ou acampado à beira duma estrada,
Ou confinado e no final um suicida,

Já velho ou jovem ou – pior – piá.

Demarcação já!
Demarcação já!

Por nós não vermos como natural
A sua morte sociocultural;
Em outros termos, por nos condoermos –
E termos como belo e absoluto

Seu contributo do tupi ao tucupi, do guarani ao guaraná.

Demarcação já!
Demarcação já!

Pois guaranis e makuxis e pataxós
Estão em nós, e somos nós, pois índio é nós;
É quem dentro de nós a gente traz, aliás,
De kaiapós e kaiowás somos xarás,

Xará.

Demarcação já!
Demarcação já!

Pra não perdermos com quem aprender
A comover-nos ao olhar e ver
As árvores, os pássaros e rios,
A chuva, a rocha, a noite, o sol, a arara

E a flor de maracujá,

Demarcação já!
Demarcação já!

Pelo respeito e pelo direito
À diferença e à diversidade
De cada etnia, cada minoria,
De cada espécie da comunidade

De seres vivos que na Terra ainda há,

Demarcação já!
Demarcação já!

Por um mundo melhor ou, pelo menos,
Algum mundo por vir; por um futuro
Melhor ou, oxalá, algum futuro;
Por eles e por nós, por todo mundo,

Que nessa barca junto todo mundo “tá”,

Demarcação já!
Demarcação já!

Já que depois que o enxame de Ibirapueras
E de Maracanãs de mata for pro chão,
Os yanomami morrerão deveras,
Mas seus xamãs seu povo vingarão,

E sobre a humanidade o céu cairá,

Demarcação já!
Demarcação já!

Já que, por isso, o plano do krenak encerra
Cantar, dançar, pra suspender o céu;
E indígena sem terra é todos sem a Terra,
É toda a civilização ao léu

Ao deus-dará.

Demarcação já!
Demarcação já!

Sem mais embromação na mesa do Palácio,
Nem mais embaço na gaveta da Justiça,
Nem mais demora nem delonga no processo,
Nem retrocesso nem pendenga no Congresso,

Nem lengalenga, nenhenhém nem blablablá!

Demarcação já!
Demarcação já!

Pra que nas terras finalmente demarcadas,
Ou autodemarcadas pelos índios,
Nem madeireiros, garimpeiros, fazendeiros,
Mandantes nem capangas nem jagunços,

Milícias nem polícias os afrontem.

Vrá!

Demarcação ontem!
Demarcação já!

E deixa o índio, deixa o índio, deixa os índios lá.

Ajoelha e Reza

E aí, ele disse pra mim
Como vai?
E aí, eu me disse taí
Minha chance
Respondi
Tudo bem e você onde vai?
Foi daí
Que saímos dali prum romance

E de repente na nossa história
De amor e de glória
Ele vem e me agarra,
eu me amarro
ele ajoelha e reza
E então me confessa

Que tá na maior paixão
e nunca esteve assim
Nem sente seus pés no chão
E até se realça por causa de mim

E assim, o que ele me faz
Pode ser
Pode sim, pode até parecer uma cena
Mas pra mim, é uma cena real
Radical!
Tão real, que parece igual no cinema

E nesse filme de amor e ventura
Verdade e mentira
um pornô com ternura
Ele vem e se atira,
eu morro
E depois me comovo
quando me diz de novo

Que tá na maior paixão
e nunca esteve assim
Nem sente seus pés no chão
E até se realça por causa de mim

E assim, o que ele me faz
Pode ser
Pode sim, pode até parecer uma cena
Mas pra mim, é uma cena real
Radical!
Tão real, que parece igual no cinema

E de repente na nossa história
De amor e de glória
Ele vem e me agarra,
eu me amarro
ele ajoelha e reza
E então me confessa

Que tá na maior paixão
e nunca esteve assim
Nem sente seus pés no chão
E até se realça por causa de mim
Tá na maior paixão
e nunca esteve assim
Nem sente seus pés no chão
E até se realça por causa de mim
Tá na maior paixão
e nunca esteve assim
Nem sente seus pés no chão
E até se realça por causa de mim

Tá na maior paixão

Crisálida-Borboleta

teteasasdoetereocapacd

(composição de 1984)

De palavra a palavreta
Crisalita a brisoleta
De lagarta a borboletra
A crisálida

Desencasula a crisálida
Aquarela alada, crisálita
Em lazulita, crisólita
Quem deslinda uma linguagem insólita?

Criso-briso-bribo-boiboleta ao pleniléu
Asalegre bela pelepétala de papel
Libralisa a brisa lindesliza a lisabrir
Butterflyingflower deflowerer fleeting like a flee

Borboleta
Extravagante e travessa
Vagabunda transmutante qual um travesti

Escrito nas Estrelas

Você pra mim foi o sol
De uma noite sem fim
Que acendeu o que sou,
Pra renascer tudo em mim.
Agora eu sei muito bem
Que eu nasci só pra ser
O seu parceiro, seu bem, (*)
E só morrer de prazer.

Caso do acaso bem marcado em cartas de tarô,
Meu amor, esse amor de cartas claras sobre a mesa
É assim.
Signo do destino, que surpresa ele nos preparou;
Meu amor, nosso amor estava escrito nas estrelas,
Tava, sim.

Você me deu atenção
E tomou conta de mim.
Por isso, minha intenção
É prosseguir sempre assim.
Pois sem você, meu tesão,
Não sei o que eu vou ser;
Agora preste atenção:
Quero casar com você.

_____________________

Variante:
(*) Sua parceira, seu bem,

Ajoelha e Reza

E aí, ele disse pra mim
Como vai?
E aí, eu me disse taí
Minha chance
Respondi
Tudo bem e você onde vai?
Foi daí
Que saímos dali prum romance

E de repente na nossa história
De amor e de glória
Ele vem e me agarra,
eu me amarro
ele ajoelha e reza
E então me confessa

Que tá na maior paixão
e nunca esteve assim
Nem sente seus pés no chão
E até se realça por causa de mim

E assim, o que ele me faz
Pode ser
Pode sim, pode até parecer uma cena
Mas pra mim, é uma cena real
Radical!
Tão real, que parece igual no cinema

E nesse filme de amor e ventura
Verdade e mentira
um pornô com ternura
Ele vem e se atira,
eu morro
E depois me comovo
quando me diz de novo

Que tá na maior paixão
e nunca esteve assim
Nem sente seus pés no chão
E até se realça por causa de mim

E assim, o que ele me faz
Pode ser
Pode sim, pode até parecer uma cena
Mas pra mim, é uma cena real
Radical!
Tão real, que parece igual no cinema

E de repente na nossa história
De amor e de glória
Ele vem e me agarra,
eu me amarro
ele ajoelha e reza
E então me confessa

Que tá na maior paixão
e nunca esteve assim
Nem sente seus pés no chão
E até se realça por causa de mim
Tá na maior paixão
e nunca esteve assim
Nem sente seus pés no chão
E até se realça por causa de mim
Tá na maior paixão
e nunca esteve assim
Nem sente seus pés no chão
E até se realça por causa de mim

Tá na maior paixão

Nossos Momentos


de “Tetê Espíndola”, de Tetê Espíndola

Sozinhos e juntos
Na dor e no prazer,
Nas fases difíceis
E nas fáceis de viver,
Tivemos, dia a dia,
Tristezas e alegrias,
Belezas, fantasias
E tantas outras coisas em comum.

Em busca dos sonhos
De felicidade e dois,
Por vezes estranhos
À realidade a dois,
Nós temos, mais que um dia,
Momentos de poesia
Tão claros e tão raros,
Que neles nós vivemos algo incomum.

Neles tudo mais para;
Nada mais se compara
Ao par, ao casal
Que somos nós dois,
Sem par, sem igual,
Nossos momentos não têm antes nem depois.

Sozinhos e juntos
Na dor e no prazer,
Nas fases difíceis
E nas fáceis de viver,
Tenhamos outras vezes
Momentos como esses,
Instantes transcendentes,
Instantes em que somos como dois em um.

Serenata do Prado (Meadow Serenade)

Serenata do Prado (Meadow Serenade)

Eu ouço folhas em farfalhos
Trinados, trilos
Onde voa a cotovia
E o pintassilgo silva sem parar

Eu ouço coros de chocalhos
Cri-cri de grilos
Onde a aranha se arranha
E o sanhaço se assanha com seu par

E eu ouço a vibração da brisa
Na flora feliz
Colibris colibrisam em flores de liz
Há música no ar, minha mente voa
Onde a serenata soa
Na madrugada gris

____________________________________________

(George Gershwin e Ira Gershwin)

I hear the rustle of the trees
From the nearby thicket
Where the oriole is calling
And the bobolink is falling
For his mate

I hear the sighing of the breeze
And the chirping cricket
Where the whippoorwill is wooing
And the katydid is cooing
To his Kate

And I can hear a cowbell chorus
That’s now being played
Hummingbirds humming for us
From deep in the shade

There’s music in my heart
As my thoughts go winging
Where the spring is ever singing
That meadow serenade

Ronda 2


de “Cidade Oculta”, de Arrigo Barnabé

Na noite alta
Na noite alta os ratos rondam,
E no asfalto
E no asfalto os carros roncam.

Bares e clubes luzem.
Bares e clubes luzem. Sinais.
Gangues de punks lúmpens
Gangues de punks lúmpens demais.
E prostitutas passam
E prostitutas passam ao léu.
E viaturas surgem
E viaturas surgem no breu.

Quando nas casas
Quando nas casas os justos dormem,
Quando não matam,
Quando não matam, os brutos morrem.

Os seus olhos
Os seus olhos filtram letras,
Luminosos,
Luminosos, faroletes
Luminosos, faroletes e holofotes;
Nos seus olhos
Nos seus olhos se reflete
Todo o lume
Todo o lume do negrume
Todo o lume do negrume dessa noite.

Cena de bangue-bangue.
Cena de bangue-bangue. Faróis.
Tiras, bandidos, anti-
Tiras, bandidos, anti- -heróis.
Tiros e gritos: cante
Tiros e gritos: cante mortal.
Cena de sangue, lance
Cena de sangue, lance normal.

E pelas ruas,
E pelas ruas, peruas rugem;
Se abrem alas
Se abrem alas e as balas zunem.

De repente
De repente você treme,
E a sirene
E a sirene passa entre
E a sirene passa entre automóveis;
Em suspense
Em suspense você pensa:
O que pode
O que pode com o ódio
O que pode com o ódio desses homens?

Mais Uma

Foi uma noite apenas
Mas como resistir
Você entrou em cena
Deu pra eu sentir
Que só valia a pena
Te conquistar eu quis
Naquela noite plena
Você me fez feliz


Doce magia nos ares
Você dançava tão bem
E me lançava olhares
A gente ia além
E nesse jogo foi
Luz, sedução
Fogo e gozo, foi
Pura paixão


Ainda sinto sim
A sua pele em mim
A minha febre traz
E pede mais
Mais uma noite apenas
Mais uma noite a sós
Mais uma noite ao menos
Mais uma só pra nós.

Escrito nas Estrelas


de “Escrito nas Estrelas”, de Tetê Espíndola

1985_2000_Tete_Espinola_Escrito_nas_estrelas_cd_10241985_Tete_Espinola_Escrito_nas_estrelas_1024

Você pra mim foi o sol
De uma noite sem fim
Que acendeu o que sou,
Pra renascer tudo em mim.
Agora eu sei muito bem
Que eu nasci só pra ser
O seu parceiro, seu bem, (*)
E só morrer de prazer.

Caso do acaso bem marcado em cartas de tarô,
Meu amor, esse amor de cartas claras sobre a mesa
É assim.
Signo do destino, que surpresa ele nos preparou;
Meu amor, nosso amor estava escrito nas estrelas,
Tava, sim.

Você me deu atenção
E tomou conta de mim.
Por isso, minha intenção
É prosseguir sempre assim.
Pois sem você, meu tesão,
Não sei o que eu vou ser;
Agora preste atenção:
Quero casar com você.

_____________________

Variante:
(*) Sua parceira, seu bem,

Visão da Terra


de “Gaiola”, de Tetê Espíndola
1986_Tete_Espinola_Gaiola_1024

Visão da terra

Foi a bordo da lendária barca Vostok 1,
Em 61.
Yuri Gagarin,
Do alto a vagar,
Como só um poeta viu a Terra azul ao léu,
Com sua auréola,
E sobre ela constelações de leões e de cães.

Agora,
Quando em torno ao seu corpo gravitam satélites
E estações orbitais,
E ampliam-se os limites
Da guerra e da paz,
Ela segue o eterno vôo certo que descreve
Em pleno nada,
Planeta-nave, nave das naves e das naves-mães.

Quem dera
Ver ainda a cena que um dia será comum,
Como em “2001”:
A Terra em realce
No espaço real –
E no fundo o profundo abismo negro, negro, negro,
Que dá medo;
No céu de vidro brilhos na noite dos txucarramães.

Cururu


de “Gaiola”, de Tetê Espíndola
1986_Tete_Espinola_Gaiola_1024

Ouça
Uma vez o meu irmão virou uma onça
Onça
De passo leve no escuro
Passo
Que nem de sapo-cururu

Eh, eh!
Meu irmão que nem meu tio iauaretê
Isso
Foi um feitiço, eu lhe juro
Até
Fiquei um tanto jururu

De repente, onde o corpo de um homem
Patas, pintas, porte e força de uma onça

Teria sido imagem imaginária
Ou era tudo verdade pura veraz?
Teria sido miragem visionária
Ou era ele aquela fera feroz?

Onça?
Não, o meu irmão não passa de uma moça
Mansa
Que nem um sapo numa poça
Puro
Que nem a flor de um cipó-

-Cururu.

Na Chapada

de “Gaiola”, de Tetê Espíndola
1986_Tete_Espinola_Gaiola_1024

Há um chuvisco na Chapada
Em toda a mata um cochicho em cê-agá
Chuá-chuá na queda d´água
Eu me espicho e fico quieta
Nada me falta

O véu de noiva de água virgem
Me elevou, envolveu
A sua ducha me deu vertigem
Arrepio, rodopio, em mim
Seu jorro não tem mais fim

E nesse êxtase me deixo
Não sei quem sou
Estou no meio do arco-íris
E saboreio elixires de amarílis

Na cachoeira-enxurrada
O véu da chuva desceu
No vento nuvem
Do céu desaba
Chapinhante, espumante champanhe
Chapada dos Guimarães

Nós

O que sentimos entre nós
mesmo longe ou mesmo a sós
É tão íntimo e tão bonito
É nítido e preciso
E precioso como é o sol

O sol nasce, o sol se põe
E renasce e se impõe
E rebrilha em nossa vida a dois
Que hoje e depois
Depende somente de nós

Pois toda vez que nos vemos
É sempre mais intensa e mansa
A atração dos olhos e das mãos
E corpos como dois ímãs

E quanto mais essa chama
Aquece e chama
E permanece tão constante
Que nos incendeie sem nos consumir
E continue a fluir
Muito além do instante.

Pássaros na garganta


de “Pássaros na Garganta”, de Tetê Espíndola

1982_Tete_Espinola_Passaros_na_garganta_1024

No céu da minha garganta
Eu tenho ao cantar
Pássaros que quando cantam
Não posso conter
Solto o que se levanta
Do meu ser
E vou ao sol no vôo
Enquanto sôo

Mas quando num céu tão cinza
Não vejo passar
Os pássaros que extinguem
Da terra e do ar
Passo o que existe em mim
A doer
Me dou tão só ao som
Com dó e dom

E o que sinto vai contra
Quem varre as matas e arremata a terra-mãe
E me indigna a onda
De insanos atos de insensatos que não amaina

Ânsia de que a vida seja mais cheia de vida
Pelas alamedas, pelas avenidas
Em aroma cor e som –
Árvores e ares, pássaros e parques
Para todos e por todos
Preservados em cada coração

Mas quando num grito raro
Se apossa de mim
O espírito desses pássaros
Que não tem fim
Espalho pelo espaço
O que não há
Com amor e com arte
Garganta e ar

Cuiabá


de “Pássaros na Garganta”, de Tetê Espíndola

1982_Tete_Espinola_Passaros_na_garganta_1024

Vaia de arara passa pelos ares
Daqui pra ali
Fica no olhar a flutuar o leque
Do buriti

Se abre sobre a cidade verde
O céu de anil
No coração da América a terra de ócio
De sol e rio

Cuiabá
De onde se ouviu
Som de índio cantando à beira do rio

Cuiabá
De onde se vê
Cuia à beça, cabaça de cuietê

Cuiabá
Dos pacus
Dos furrundus
Dos cajus
Do João
“São” Sebastião
Da cabocla de pele queimada
De Leveger
Dos leques de palha
Talhas de São Gonçalo

Ah! Essa gente
Esse calor
Quero pra sempre
Com muito amor

Olhos de Jacaré


de “Pássaros na Garganta”, de Tetê Espíndola

1982_Tete_Espinola_Passaros_na_garganta_1024

Que imprevistos pontos de luz eram aqueles,
Que lembravam estrelas
No abismo infindo e sem fundo,
E que deslumbraram
Já no vislumbre
Meu olhar profundo?

Não, eu não estava na estrada do oeste desta vez,
Vendo o terrestre astral da cidade,
Na eletricidade em seus inúmeros lumes.
Na madrugada eu estava no Pantanal.
Sim, por que não?
Eu tava lá na beira-vazante;
Aqui nos movimentos-voôs nômades da mente.
Lá na fantasmal nitidez dos muitos
Pontos brilhantes.
No espelho d água de aguapés
Eram olhos de jacarés.

Jacaré jacaré jacaré
Jacaré jacaré jacaré jacaré
Jacaré jacaré
Jacarés