Arquivo da categoria: José Miguel Wisnik

eu disse sim

Do álbum “Vão”, de 2022

no dia em que o levei a declarar-se
primeiro eu dei a ele um bocadinho
do doce de pecã da minha boca

ah nada como um beijo longo e quente
que deixa a gente quase sem ação
meu deus depois daquele longo beijo
por pouco eu fico sem respiração

eu vi que ele sabia ou sentia
o que é uma mulher
e eu tive cá pra mim que eu poderia
fazer pra sempre dele o que eu quisesse

e eu lhe dei todo prazer que eu pude
pra que pedisse que eu dissesse sim
mas eu não quis dizer assim de cara
fiquei tão-só olhando para o mar
e para o céu pensando em tantas coisas

aí só com os olhos lhe pedi
que me pedisse novamente sim
e ele me pediu
que se eu quisesse sim dissesse sim

eu enlacei os braços nele sim
e o puxei pra baixo para mim
pra que pudesse
sentir meus seios perfumados sim
seu coração batia como louco
e sim eu disse sim eu quero Sim

Composta em 2013

O Jequitibá


do Álbum “Vão”, de José Miguel Wisnik


Não havia Masp nem seu vão,
Nem Fiesp, nem arranha-céu, nem casarão,
Nem Conjunto Nacional com seu relógio à vista.
Não havia bancos,
Não havia bancas,
Nem ciclovia, nem pista da Paulista.

Antes da torre global,
Do Itaú Cultural,
Do metrô
E da metrópole,
Da parada gay
E do réveillon,
Era ele, o velho, belo e bom
Jequitibá do Trianon.

Antes da Gazeta,
Das passeatas, atos, manifestações,
Antes da corrida São Silvestre;
Antes das antenas,
Centers e cinemas,
Das profusões…
De automóveis, bicicletas e pedestres,
Já ´tava ele lá
E ainda hoje ´tá:
O jequitibá!

*

Composta em 2016

eu disse sim

Do Álbum “Poesia” de 2018

no dia em que o levei a declarar-se
primeiro eu dei a ele um bocadinho
do doce de pecã da minha boca

ah nada como um beijo longo e quente
que deixa a gente quase sem ação
meu deus depois daquele longo beijo
por pouco eu fico sem respiração

eu vi que ele sabia ou sentia
o que é uma mulher
e eu tive cá pra mim que eu poderia
fazer pra sempre dele o que eu quisesse

e eu lhe dei todo prazer que eu pude
pra que pedisse que eu dissesse sim
mas eu não quis dizer assim de cara
fiquei tão-só olhando para o mar
e para o céu pensando em tantas coisas

aí só com os olhos lhe pedi
que me pedisse novamente sim
e ele me pediu
que se eu quisesse sim dissesse sim

eu enlacei os braços nele sim
e o puxei pra baixo para mim
pra que pudesse
sentir meus seios perfumados sim
seu coração batia como louco
e sim eu disse sim eu quero Sim

A Minha Lógica

Com
Aqueles bons e velhos dons
De uns joões e outros johns
Juntei palavra, cor e som
Com a cabeça e o coração
E certamente com tesão
Armei no ar uma canção
Harmoniosa de artesão
Da arte que tem bossa

Mas você
Com desdém
Vem com essa prosa
– Num-sei-quê,
Num-sei-quem –
Que já é famosa
Ora, ora, ora
Pouco faz
E desfaz
Muito de quem faz e elabora

É
Que a sua ótica não vê
A minha lógica, nem crê
Na onda mágica, o bom
Da matemática do som
De uma música no ar
Arquitetura a flutuar
No ato puro de tocar
Samba, canção ou rock

Se você
É capaz
Cante, dance, toque
Mas não dê
Nunca mais
Um tão tonto toque
Se o seu palpite
Infeliz
Me maldiz
Me diz bem quão chão é o seu limite

Sim
Que a mim é dado e cabe a mim
O mais sonoro e claro sim
À arte, à vida, à criação
Tudo que eu canto com paixão
E tal clareza que transluz
Com vida própria e traduz
A própria vida e traz à luz
Seus sonhos escondidos

Pra você
Me ouvir
Meu rapaz, se deixe
Envolver
Seduzir
Ou em paz me deixe
Antes não evite
Venha cá
Vamos lá
Ao deleite, aceite o meu convite

Pois
Acima dessas discussões
Só a beleza das canções
É o que ficará depois
De tanto quanto se compôs
Brilhando como essa voz
Voando e ecoando em nós
Em pleno espaçotempo

Coração Cosmonauta

O Marinheiro da Vanguarda, o neo-Navegador
O Viajante Pioneiro, o Desafiador
Lá no Profundo Espaço fundo vai
Pelo Universo Mundo sai
Com o Espírito da Curiosidade
E do Descobrimento e da Indagação
Da A-Ventura e da Investigação
Numa Procura, numa Empresa, na missão
Pelo Progresso, pela Paz e a União

O Magalhães Colombo Ulisses, o Empreendedor
O Mensageiro, o Visitante, o Analisador
O Bandeirante, o Desbravador
O Viking, o Explorador
Ante Horizontes Novos e a Oportunidade
De cada nave, sonda, ônibus, robô
De cada jipe, trem, foguete ou o que for
Que lhe desvende e lhe deslinde o lindo véu
De algum mistério do sidéreo, etéreo céu

Meu cosmonauta coração, na casca dessa noz
Eis a questão, o nó dos nós: o que é que somos nós?
Infinitésima espécie que
Reflete a imensidão em si
E o infinito, o grão da grandiosidade?
E além de nós, dos cafundós, o que é que há?
E além do fundo fim do mundo, além de lá?
E aquém do berço do universo, havia o quê?
E além de um verso – um multiverso? – o que há de haver?

1985 / 2013

Domingo Longo

Esse vem mas não vem de longe
Não convém à espera de alguém
Para mim é assim um domingo longo
Dia cinza que parece não ter fim.


E assim, sempre assim, ao longo
Cada dia adia o fim
Da saudade que vem de quem foi prá longe
E ficou presente aqui dentro de mim.

Mas enfim hoje eu vim aqui
E ali no azul vazio
Minha vista se lança pela distância
O tempo a passar
A esperança no ar
Está pra chegar o momento.

E do céu do aeroporto
Quem vem vindo a bordo enfim
Do avião que desceu vi abrir a porta
E você já vem prá bem perto de mim.