Arquivo da categoria: Inéditas

Incrível

No dia em que te vi,
Eu tive uma sensação indescritível.
Eu vi mas nem assim eu cri
No que vi.
Foi mesmo incrível,
Fora do comum.
Foi como se Oxossi achasse Oxum
E já se apaixonasse.

Oh se Oxossi achasse Oxum
E já se apaixonasse…

Agora te rever
E ter a mesma sensação indescritível
De ver e ainda assim não crer,
Pode crer,
É mais incrível,
Fora do comum.
É como se Oxossi achasse Oxum
E já se apaixonasse.

Oh se Oxossi achasse Oxum
E já se apaixonasse…

Coração Sem Par

Meu coração sem par,
Sempre a querer teimar,
Teima em querer queimar,
Por não poder não amar.

Meu coração não entende
Nem quer saber de razão,
Pois a razão que ele tem de viver
Vem de morrer de paixão.

Eu tento em vão parar
Meu coração – O quê!
Ei-lo outra vez a amar,
De novo em brasa,
Sem parar, porque

Meu coração sem par,
Sempre a querer teimar,
Teima em querer, queimar,
Por não poder não amar.

Meu coração não se entende
Com o saber da razão,
Pois a paixão que ele tem de viver
Vem de morrer de paixão.

Eu tento em vão parar
Meu coração – O quê!
Eis-me outra vez a amar,
De novo em brasa,
Sem parar, porque

Meu coração ímpar,
Sempre a querer teimar,
Teima em querer queimar,
Por não poder não amar.

Ah coração mais rebelde,
Do qual não sou domador;
Vive na vida o papel de
Louco amante do amor.

Pedra Bruta

Que virá do sonho?
Toda bruta.
Que virá do sem som do sonho?
Pedra toda bruta.
Que se verá vir do sem som com cor do sonho?
Pedra preta toda bruta.
E quererá entrar na realidade?
Pedra preta transmudada toda bruta,
Pra fecundar a realidade
E reviver a metade de nada?
Pedra preta azul-luz-transmudada toda bruta.
Que trará então nesse dia
O grande grão da alegria?
Pedra pretablue toda bruta.

Milagre

Milagre!
Multiplicou-se em cem uma semente,
Em mil, em mil e cem, uma somente,
Uma semente só, tão resistente!

Milagre!
Dentro do ventre tal como um cometa,
Entre milhões apenas um gameta,
Não mais do que um gameta, chega à meta.

Milagres como esses são diários,
Mas não milagres extraordinários:
Milagres, mas milagres ordinários.

Milagre!
Que coisa incrível, sim, que coisa louca,
A guerra da saliva em minha boca
E a longa vida, oculta, da minhoca!

Milagre!
A efêmera beleza de uma flor!
O pouco odor, o tom marrom da cor
E a boa forma, firme, de um cocô!

Milagres como esses são diários,
Mas não milagres extraordinários:
Milagres, mas milagres ordinários.

Milagre!
Viver por toda a vida, todavia,
Morrendo e renascendo a cada dia,
Com o pé quente e a cabeça fria.

Milagre!
Provar o sal, o amargo, o doce, o agre!
E derramando a comovida lágri-
Ma, comprovar que a vida é um milagre!

Milagres como esses são diários,
Mas não milagres extraordinários:
Milagres, mas milagres ordinários.

Milagre, ah, milagre, oh, milagre!

Vicissitude

Vai afundar
Na onda do mar da imaginação
Quem não surfar
Por cima da prancha da percepção.

Saiba, porém,
Que a onda que sobe desce e cai;
Assim também,
A onda que vem é a onda que vai.

E entre doença e saúde,
Em toda vicissitude
Pense a palavra que mude
A má condição;

Cante-a com entusiasmo,
Tal quando tem um orgasmo,
E então espante o marasmo
Do coração.

Transformação

Estou no alto de um monte da Mantiqueira em Mairiporã
Almoçando arroz integral, alga, agrião, nabo, abóbora e doce de maçã
O que é fácil hoje será difícil amanhã
A morte é o fruto da vida, disse Omar Khayyam
Estou no alto de um monte da Mantiqueira em Mairiporã

Tudo está relativamente bem
Canta um sabiá, a voz ecoa, voa, volta, vai e vem
Saúde vale mais que ouro, euro, dólar, uon, yuan, yen
Pra ter saúde tem que ficar doente, porém
Tudo está relativamente bem

Uma revolução se processa dentro de mim
Sei que a doença, a fome, a miséria e a guerra nunca terão fim
Nada é inteiramente yang, nem inteiramente yin
Tenho que dizer muitos nãos para dizer um sim
Uma revolução se processa dentro de mim

Meu mestre me falou que o bom é mau e o mau é bom
E que foi o maior orgasmo o da mulher do samurai em “Rashomon”
Uma palavra só detona mais que um megaton
O que não pode um mantra, um mantra com seu som?
Meu mestre me falou que o bom é mau e o mau é bom

Estou à beira do mar, lugar comum
Me refazendo todo, fazendo jejum
Sei que não há só deus, há deusa, e deus não há só um
E o um dá dois, o dois dá três, o três dá tudo e tudo ad-infinitum
Estou à beira do mar, lugar comum

Estou no alto de um monte da Mantiqueira em Mairiporã

Mother’s Heart (Coração Materno)

“Say what you want, oh my dearest,”
Said the loving peasant to the one he loved.
“For you I will steal, I will kill,
Though you cause me sorrow and pain, my beloved.
I just want to prove I adore you,
And worship your being, and for you I sigh.
So say what you want, I implore you,
For me it won´t matter to kill or to die.”

And she coyly answered this way:
“If you love me as much as you say,
If you´re madly in love, then depart,
Go and bring to me your mother´s heart.”
But believing in what he was told,
He ran fast as a flash down the road.
And his dear became so stupefied
That she fell on the pathway and cried.

The peasant enters the cabin,
In front of the altar his mother he sees;
Then he, the demon, starts stabbing
The breast of the lady, who prayed on her knees.
He cuts out her heart, that´s bleeding,
The heart that he wanted, all other hearts above,
And shouts with a voice full of pleading:
“Victoria! Victoria! Here´s my proof of love.”

He was coming back running again,
When he tumbled and broke one leg then.
And his poor mother´s heart fell and rolled
Away from his hard hands down the road.
So a voice echoed under the sun:
“Are you hurt, oh my poor darling son?
Come embrace me, darling, I´m still here,
Come embrace me, I´m still yours, my dear.”

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Disse um campônio à sua amada:
“Minha idolatrada, diga o que quer.
Por ti vou matar, vou roubar,
Embora tristezas me causes, mulher.
Provar quero eu que te quero,
Venero teus olhos, teu porte, teu ser.
Mas diga tua ordem, espero,
Por ti não importa matar ou morrer”.

E ela disse ao campônio, a brincar:
“Se é verdade tua louca paixão,
Parte já e pra mim vai buscar
De tua mãe inteiro o coração”.
E a correr o campônio partiu;
Como um raio na estrada sumiu.
E sua amada qual louca ficou,
A chorar na estrada tombou.

Chega à choupana o campônio;
Encontra a mãezinha ajoelhada a rezar.
Rasga-lhe o peito o demônio,
Tombando a velhinha aos pés do altar.
Tira do peito sangrando
Da velha mãezinha o pobre coração,
E volta a correr proclamando:
“Vitória! Vitória! Tem minha paixão”.

Mas em meio da estrada caiu
E na queda uma perna partiu,
E à distância saltou-lhe da mão
Sobre a terra o pobre coração.
Nesse instante uma voz ecoou:
“Magoou-se, pobre filho meu?
Vem buscar-me, filho, aqui estou,
Vem buscar-me que ainda sou teu!”

Letra e música de Vicente Celestino, 1937

A Minha Lógica

Com
Aqueles bons e velhos dons
De uns joões e outros johns
Juntei palavra, cor e som
Com a cabeça e o coração
E certamente com tesão
Armei no ar uma canção
Harmoniosa de artesão
Da arte que tem bossa

Mas você
Com desdém
Vem com essa prosa
– Num-sei-quê,
Num-sei-quem –
Que já é famosa
Ora, ora, ora
Pouco faz
E desfaz
Muito de quem faz e elabora

É
Que a sua ótica não vê
A minha lógica, nem crê
Na onda mágica, o bom
Da matemática do som
De uma música no ar
Arquitetura a flutuar
No ato puro de tocar
Samba, canção ou rock

Se você
É capaz
Cante, dance, toque
Mas não dê
Nunca mais
Um tão tonto toque
Se o seu palpite
Infeliz
Me maldiz
Me diz bem quão chão é o seu limite

Sim
Que a mim é dado e cabe a mim
O mais sonoro e claro sim
À arte, à vida, à criação
Tudo que eu canto com paixão
E tal clareza que transluz
Com vida própria e traduz
A própria vida e traz à luz
Seus sonhos escondidos

Pra você
Me ouvir
Meu rapaz, se deixe
Envolver
Seduzir
Ou em paz me deixe
Antes não evite
Venha cá
Vamos lá
Ao deleite, aceite o meu convite

Pois
Acima dessas discussões
Só a beleza das canções
É o que ficará depois
De tanto quanto se compôs
Brilhando como essa voz
Voando e ecoando em nós
Em pleno espaçotempo

Coração Cosmonauta

O Marinheiro da Vanguarda, o neo-Navegador
O Viajante Pioneiro, o Desafiador
Lá no Profundo Espaço fundo vai
Pelo Universo Mundo sai
Com o Espírito da Curiosidade
E do Descobrimento e da Indagação
Da A-Ventura e da Investigação
Numa Procura, numa Empresa, na missão
Pelo Progresso, pela Paz e a União

O Magalhães Colombo Ulisses, o Empreendedor
O Mensageiro, o Visitante, o Analisador
O Bandeirante, o Desbravador
O Viking, o Explorador
Ante Horizontes Novos e a Oportunidade
De cada nave, sonda, ônibus, robô
De cada jipe, trem, foguete ou o que for
Que lhe desvende e lhe deslinde o lindo véu
De algum mistério do sidéreo, etéreo céu

Meu cosmonauta coração, na casca dessa noz
Eis a questão, o nó dos nós: o que é que somos nós?
Infinitésima espécie que
Reflete a imensidão em si
E o infinito, o grão da grandiosidade?
E além de nós, dos cafundós, o que é que há?
E além do fundo fim do mundo, além de lá?
E aquém do berço do universo, havia o quê?
E além de um verso – um multiverso? – o que há de haver?

1985 / 2013

Essa Tarde

Essa tarde no alarde do seu lusco-fusco
É a tela mais bela na luz do crepúsculo
Tantas nuvens reluzem num grande lençol
Desmanchando e manchando o azul dos espaços
A terra emudeceu
Diante das cores no céu

O que vemos agora é mesmo um milagre
É a glória fugaz e capaz de uma lágrima
De beleza o olho vermelho do sol
Incendeia tua pele, cabelos e pelos
O céu, a terra, o chão
A nós e à nossa paixão

Bem-Bom [versão em inglês]

Yes
It has to be with you, I see
You are a charming company
The night is young and so are we
So let be sung our melody

Come, baby, take me to play
Come, baby, shake me and say
We´ll stay alone from now on
With me you´ll be in the bem-bom

Feel in the breeze that is in the air
A new and sweet affair
I feel the night will be so complete and swell
Well, let´s go
Let me tell you low:

Sad is to live in solitude
Glad is to fall in love with you
Now we are free, now we agree
It´s up to us, just you and me

É
Só tem que ser é com você
Porque senão não tem porquê
Porque seu tom é tão pro meu
E eu sou mais você e eu

Vem me cantar, me tentar
Vem me tocar, me pegar
Como uma canção de amor
Que nasce agora no ar
Com o frescor da brisa, o calor
A cor do teu olhar
Que me alisa a pele em plena flor
Pra te dar
Meu amor, meu bem
Vem mais pra cá, está demais
Mais vai ficar pra lá de bom
Em corpo, em cor, em som de vai
E vem que tem, cai no bem-bom

Vem me cantar, me tentar
Vem me tocar, me pegar
Com uma canção de amor
Que nasce agora no ar
Com o frescor da brisa, o calor
A cor do teu olhar
Que me alisa a pele em plena flor
Pra te dar
Meu amor, meu bem

Vem me amar, me chamar
Vem me pegar, me levar
A uma festa a dois
É só o que resta pra nós
Tem tanta gente, a gente nem vê
A hora de ficar
Eu e você, nós dois, como tem que ser
Sem pensar
Em depois, enfim

Só mesmo a gente noite adentro
Dentro e fora, agora sim
O nosso amor vai ser assim
Eu pra você, você pra mim

Curva do Rio

Era noite e sentamos na curva do rio
Como num sonho perdido eu vi de quem era filho

Calma iluminavam as nuvens tranquilas
E a sinfonia de grilos por ali

Matos, murmúrios e um canto índio em mim
Na areia branca

Mergulhei uma hora nas águas do rio
Na densa correnteza reluzindo
Em nados e risos, e risos
Rios, rios, rios…

Rio tranquilo, arrepio de frio
Gosto primitivo no corpo do rio
Rio infinito
Rio infinito
Rio infinito…

Mergulhei uma hora nas águas do rio
Na densa correnteza reluzindo
Em nados, em nados, e risos, e risos
Rio!


Rio tranquilo, arrepio de frio
Gosto primitivo no corpo do rio
Rio infinito
Rio, rio infinito, rio!

*

Composta em meados dos anos 1970