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As Cotas

O preto, o pardo, o indígena, no final das contas,
O pobre, o excluído, foi levado em conta,
E o colorido das escolas tomou conta,
Num não à colonização e numa afronta
À escravidão e à exclusão escrotas,
Com as cotas.

E de orgulho renovou-se a nossa cota,
E de alegria que revive e não se esgota
E que resgata o sonho, a esperança morta.
E campi renovaram-se com outras
Visões e perspectivas, percepções e óticas,
Com as cotas.

As cotas abrem portas e comportas
Duma represa de potências que brotam,
E mudam mundos, mudam vidas que importam
E que já não hão de passar incógnitas,
E na nação hão de brilhar indômitas,
Com as cotas.

As cotas
Abrem portas…

Pra corrigirmos nosso rumo, nossa rota,
E interrompermos um rosário de derrotas,
E sermos hexa, sermos hepta, sermos octa,
E afirmarmos uma força apoteótica,
E escrevermos uma história de quem opta
Pelas cotas.

As cotas
Abrem portas.

O empenho do cotista dá na vista, isto se nota,
E o desempenho é igual ao que é geral em média e nota.
E é isto que revela cada estudo, cada amostra.
Nas salas, corredores e no campus, tudo mostra
As cores do país do povo de que a gente gosta;
As caras do Brasil que a gente aprova e no que aposta.
E a prova da aprovação das cotas, a resposta
De tal questão, nas universidades tá exposta:
Que racial e socialmente mesmo só se dota
De um corpo discente justo justo se se adotam
As cotas,
As cotas.

As cotas
Abrem portas.

E já que a vil desigualdade nos revolta,
E já se viu que há de vir reviravolta,
E a biodiversidade humana nos exorta,
E um plano de oportunidades mil aporta
E deixa a casa-grande e a branquitude atônitas,
Com as cotas…

E um mero rato de um meritocrata arrota
Seu ideário ideal de ideias rotas,
O deputado que é de fato e que denota
Que é democrático, que não é um hipócrita,
Um bosta, um lambe-botas, não se obsta
E não boicota e não sabota, e vota
Pelas cotas.

As cotas
Abrem portas.

O filho do pedreiro, a filhota
Da faxineira vão ter cota,
E já que nossas cotas são anticaóticas
E antirracistas, dignas de nota,
E antidistópicas porém não são exóticas,
Já que são tópicas e utópicas, são ótimas
Nossas cotas.

As cotas
Abrem portas.

Mácula

Como negar esse mal,

Essa mácula,

Essa marca trágica,

A bruta chaga                

Tão real,

Tão áspera,

Da brutal diáspora.

Sendo já um mal implícito,

Alguns alegam que não há.

Porém negar o ilícito

Ao negro é negar

O seu direito de viver

E de ser

Livre, sem temor,

Sem ser

Preso pela sua cor

Um terror!

Como apagar esse borrão
Dessa página

Duma tal abolição

Sem uma paga?

Já outra lágrima
Cai por mais um negro irmão.

Eis aí mais uma vítima

Da desumanização.

Por isso tão legítima

É a reparação

E seu direito de viver

E de ser

Livre, sem temor,

Sem ser
Morto  pela sua cor.

Um terror!

Para negar esse mal,
Essa mácula,

Essa marca estrutural

Que tudo estraga,

Só sendo um crápula,

Um sinhô ou um boçal,

Uma praga.

Já um chamado à prática

Convida o branco a se alinhar

Na luta democrática

E ao negro se aliar

Por seu direito de viver

E de ser

Livre, sem temor,

Sem ser
Suspeito pela sua cor.

Como apagar esse mal,

Essa mácula!

Do Guarani ao Guaraná

Por nós não vermos como natural
A sua morte sociocultural
Em outros termos, por nos condoermos
E termos como belo e absoluto

Seu contributo do tupi ao tucupi, do guarani ao guaraná.

Demarcação já!
Demarcação já!

Pro índio ter a aplicação do Estatuto
Que linde o seu rincão qual um reduto,
E blinde-o contra o branco mau e bruto
Que lhe roubou aquilo que era seu,

Tal como aconteceu, do pampa ao Amapá,

Demarcação lá!
Demarcação já!

Blablablá

Sem mais embromação na mesa do Palácio,
Nem mais embaço na gaveta da Justiça,
Nem mais demora nem delonga no processo,
Nem retrocesso nem pendenga no Congresso,
Nem lengalenga, nhenhenhém nem blablablá!
Demarcação já!
Demarcação já!

Já que “tal qual o negro e o homossexual,
O índio é ´tudo que não presta´”, como quer
Quem quer tomar-lhe tudo que lhe resta,
Seu território, herança do ancestral,
E já que o que ele quer é o que é dele já,
Demarcação, “tá”?
Demarcação já!

Quede Água, Quede?


do álbum “Miscelânea” de 2018

Quede Água, Quede?

Quede água, quede?
A gente pede água,
O tempo pede água, pede.
O que te impede, água?

Quede água, quede?
A terra pede água.
O homem pede água, pede.
Quem por nós intercede, água?

Quede água, quede?
A fome pede água,
A sede pede água, pede.
Quem nos concede água?

Água, por que te escafedes?
Por que tu cheiras e fedes,
Água?

Quede água, quede?
A seca pede água,
O rio pede água, pede.
Mata essa sede, água.

Quede água, quede?
O bicho pede água.
A planta pede água, pede
Uma queda, um pé de água.

Quede água, quede?
A vida pede água,
O mundo pede água, pede
Um igarapé de água.

Água, por que te escafedes?
Por que tu cheiras e fedes,
Água?

Seta de Fogo (Canção de Teresa)

Seta de Fogo (A Canção de Teresa)

Como uma seta de fogo
Ou seja lá o que for;
Como um raio que atravessa,
Ele atirou-me uma flecha
Envenenada de amor.

Como quando o mundo acaba,
Não vi mais nada no escuro tremor.
Os céus se misturaram com a terra,
E eu morri de amor.

Já no gozo da ferida,
Que mais posso desejar,
A não ser amar e amar?
E em minha ânsia de vida,
De novo morrer de amar?

Eu sou para o meu amado,
E ele pra mim.
Ó meu Deus sem fim,
Feliz o coração enamorado
Como o meu assim.

Fonte do meu gozo,
Fonte do meu céu,
Ó meu doce esposo,
Ah, meu Deus!

Eis-me aqui, meu doce amor;
Meu doce amor, eis-me aqui.
Eis aqui na tua palma
Minha vida, corpo e alma,
Pois a ti me ofereci .

Eu sou para o meu amado,
E ele pra mim.
Ó meu Deus sem fim,
Feliz o coração enamorado
Como o meu assim.

Ó meu desejado,
Ó meu grande bem,
Ouve o meu chamado:
Vem, vem, vem!

E me leva ao gozo,
E me leva aos céus ,
Ó meu carinhoso,
Ó meu Deus!

Demarcação Já

Já que depois de mais de cinco séculos
E de ene ciclos de etnogenocídio,
O índio vive, em meio a mil flagelos,
Já tendo sido morto e renascido,

Tal como o povo kadiwéu e o panará –

Demarcação já!
Demarcação já!

Já que diversos povos vêm sendo atacados,
Sem vir a ver a terra demarcada,
A começar pela primeira no Brasil
Que o branco invadiu já na chegada:

A do tupinambá –

Demarcação já!
Demarcação já!

Já que, tal qual as obras da Transamazônica,
Quando os milicos os chamavam de silvícolas,
Hoje um projeto de outras obras faraônicas,
Correndo junto da expansão agrícola,

Induz a um indicídio, vide o povo kaiowá,

Demarcação já!
Demarcação já!

Já que tem bem mais latifúndio em desmesura
Que terra indígena pelo país afora;
E já que o latifúndio é só monocultura,
Mas a T.I. é polifauna e pluriflora,

Ah!,

Demarcação já!
Demarcação já!

E um tratoriza, motosserra, transgeniza,
E o outro endeusa e diviniza a natureza:
O índio a ama por sagrada que ela é,
E o ruralista, pela grana que ela dá;

Hum… Bah!

Demarcação já!
Demarcação já!

Já que por retrospecto só o autóc-
Tone mantém compacta e muito intacta,
E não impacta, e não infecta, e se
Conecta e tem um pacto com a mata

–Sem a qual a água acabará –,

Demarcação já!
Demarcação já!

Pra que não deixem nem terras indígenas
Nem unidades de conservação
Abertas como chagas cancerígenas
Pelos efeitos da mineração

E de hidrelétricas no ventre da Amazônia, em Rondônia, no Pará…

Demarcação já!
Demarcação já!

Já que “tal qual o negro e o homossexual,
O índio é ´tudo que não presta´”, como quer
Quem quer tomar-lhe tudo que lhe resta,
Seu território, herança do ancestral,

E já que o que ele quer é o que é dele já,

Demarcação, “tá”?
Demarcação já!

Pro índio ter a aplicação do Estatuto
Que linde o seu rincão qual um reduto,
E blinde-o contra o branco mau e bruto
Que lhe roubou aquilo que era seu,

Tal como aconteceu, do pampa ao Amapá,

Demarcação lá!
Demarcação já!

Já que é assim que certos brancos agem:
Chamando-os de selvagens, se reagem,
E de não índios, se nem fingem reação
À violência e à violação

De seus direitos, de Humaitá ao Jaraguá;

Demarcação já!
Demarcação já!

Pois índio pode ter Ipad, freezer,
TV, caminhonete, “voadeira”,
Que nem por isso deixa de ser índio
Nem de querer e ter na sua aldeia

Cuia, canoa, cocar, arco, maracá.

Demarcação já!
Demarcação já!

Pra que o indígena não seja um indigente,
Um alcoólatra, um escravo ou exilado,
Ou acampado à beira duma estrada,
Ou confinado e no final um suicida,

Já velho ou jovem ou – pior – piá.

Demarcação já!
Demarcação já!

Por nós não vermos como natural
A sua morte sociocultural;
Em outros termos, por nos condoermos –
E termos como belo e absoluto

Seu contributo do tupi ao tucupi, do guarani ao guaraná.

Demarcação já!
Demarcação já!

Pois guaranis e makuxis e pataxós
Estão em nós, e somos nós, pois índio é nós;
É quem dentro de nós a gente traz, aliás,
De kaiapós e kaiowás somos xarás,

Xará.

Demarcação já!
Demarcação já!

Pra não perdermos com quem aprender
A comover-nos ao olhar e ver
As árvores, os pássaros e rios,
A chuva, a rocha, a noite, o sol, a arara

E a flor de maracujá,

Demarcação já!
Demarcação já!

Pelo respeito e pelo direito
À diferença e à diversidade
De cada etnia, cada minoria,
De cada espécie da comunidade

De seres vivos que na Terra ainda há,

Demarcação já!
Demarcação já!

Por um mundo melhor ou, pelo menos,
Algum mundo por vir; por um futuro
Melhor ou, oxalá, algum futuro;
Por eles e por nós, por todo mundo,

Que nessa barca junto todo mundo “tá”,

Demarcação já!
Demarcação já!

Já que depois que o enxame de Ibirapueras
E de Maracanãs de mata for pro chão,
Os yanomami morrerão deveras,
Mas seus xamãs seu povo vingarão,

E sobre a humanidade o céu cairá,

Demarcação já!
Demarcação já!

Já que, por isso, o plano do krenak encerra
Cantar, dançar, pra suspender o céu;
E indígena sem terra é todos sem a Terra,
É toda a civilização ao léu

Ao deus-dará.

Demarcação já!
Demarcação já!

Sem mais embromação na mesa do Palácio,
Nem mais embaço na gaveta da Justiça,
Nem mais demora nem delonga no processo,
Nem retrocesso nem pendenga no Congresso,

Nem lengalenga, nenhenhém nem blablablá!

Demarcação já!
Demarcação já!

Pra que nas terras finalmente demarcadas,
Ou autodemarcadas pelos índios,
Nem madeireiros, garimpeiros, fazendeiros,
Mandantes nem capangas nem jagunços,

Milícias nem polícias os afrontem.

Vrá!

Demarcação ontem!
Demarcação já!

E deixa o índio, deixa o índio, deixa os índios lá.

Reis do Agronegócio

de “Estado de Poesia”, de Chico César
2015_ChicoCesar_Estado_de_Poesia

Ó donos do agrobiz, ó reis do agronegócio,
Ó produtores de alimento com veneno,
Vocês que aumentam todo ano sua posse,
E que poluem cada palmo de terreno,
E que possuem cada qual um latifúndio,
E que destratam e destroem o ambiente,
De cada mente de vocês olhei no fundo
E vi o quanto cada um, no fundo, mente.

Vocês desterram povaréus ao léu que erram,
E não empregam tanta gente como pregam.
Vocês não matam nem a fome que há na Terra,
Nem alimentam tanto a gente como alegam.
É o pequeno produtor que nos provê e os
Seus deputados não protegem, como dizem:
Outra mentira de vocês, Pinóquios véios.
Vocês já viram como tá o seu nariz, hem?

Vocês me dizem que o Brasil não desenvolve
Sem o agrebiz feroz, desenvolvimentista.
Mas até hoje na verdade nunca houve
Um desenvolvimento tão destrutivista.
É o que diz aquele que vocês não ouvem,
O cientista, essa voz, a da ciência.
Tampouco a voz da consciência os comove.
Vocês só ouvem algo por conveniência.

Para vocês, que emitem montes de dióxido,
Para vocês, que têm um gênio neurastênico,
Pobre tem mais é que comer com agrotóxico,
Povo tem mais é que comer, se tem transgênico.
É o que acha, é o que disse um certo dia
Miss Motosserrainha do Desmatamento.
Já o que acho é que vocês é que deviam
Diariamente só comer seu “alimento”.

Vocês se elegem e legislam, feito cínicos,
Em causa própria ou de empresa coligada:
O frigo, a múlti de transgene e agentes químicos,
Que bancam cada deputado da bancada.
Té comunista cai no lobby antiecológico
Do ruralista cujo clã é um grande clube.
Inclui até quem é racista e homofóbico.
Vocês abafam mas tá tudo no YouTube.

Vocês que enxotam o que luta por justiça;
Vocês que oprimem quem produz e que preserva;
Vocês que pilham, assediam e cobiçam
A terra indígena, o quilombo e a reserva;
Vocês que podam e que fodem e que ferram
Quem represente pela frente uma barreira,
Seja o posseiro, o seringueiro ou o sem-terra,
O extrativista, o ambientalista ou a freira;

Vocês que criam, matam cruelmente bois,
Cujas carcaças formam um enorme lixo;
Vocês que exterminam peixes, caracóis,
Sapos e pássaros e abelhas do seu nicho;
E que rebaixam planta, bicho e outros entes,
E acham pobre, preto e índio “tudo” chucro:
Por que dispensam tal desprezo a um vivente?
Por que só prezam e só pensam no seu lucro?

Eu vejo a liberdade dada aos que se põem
Além da lei, na lista do trabalho escravo,
E a anistia concedida aos que destroem
O verde, a vida, sem morrer com um centavo.
Com dor eu vejo cenas de horror tão fortes,
Tal como eu vejo com amor a fonte linda –
E além do monte o pôr-do-sol porque por sorte
Vocês não destruíram o horizonte… Ainda.

Seu avião derrama a chuva de veneno
Na plantação e causa a náusea violenta
E a intoxicação “ne” adultos e pequenos –
Na mãe que contamina o filho que amamenta.
Provoca aborto e suicídio o inseticida,
Mas na mansão o fato não sensibiliza.
Vocês já não ´tão nem aí co´aquelas vidas.
Vejam como é que o Ogrobiz desumaniza…:

Desmata Minas, a Amazônia, Mato Grosso…;
Infecta solo, rio, ar, lençol freático;
Consome, mais do que qualquer outro negócio,
Um quatrilhão de litros d´água, o que é dramático.
Por tanto mal, do qual vocês não se redimem;
Por tal excesso que só leva à escassez –
Por essa seca, essa crise, esse crime,
Não há maiores responsáveis que vocês.

Eu vejo o campo de vocês ficar infértil,
Num tempo um tanto longe ainda, mas não muito;
E eu vejo a terra de vocês restar estéril,
Num tempo cada vez mais perto, e lhes pergunto:
O que será que os seus filhos acharão de
Vocês diante de um legado tão nefasto,
Vocês que fazem das fazendas hoje um grande
Deserto verde só de soja, cana ou pasto?

Pelos milhares que ontem foram e amanhã ser-
Ão mortos pelo grão-negócio de vocês;
Pelos milhares dessas vítimas de câncer,
De fome e sede, e fogo e bala, e de AVCs;
Saibam vocês, que ganham com um negócio desse
Muitos milhões, enquanto perdem sua alma,
Que eu me alegraria se afinal morresse
Esse sistema que nos causa tanto trauma.

Quando Eu Fecho Os Olhos


de “Vambora Lá Dançar”, de Elba Ramalho
2013_Elba_Ramalho_Vambora_La_Dancar_1024

Aí você surgiu na minha frente,
E eu vi o espaço e o tempo em suspensão.
Senti no ar a força diferente
De um momento eterno desde então.

E aqui dentro de mim você demora;
Já tornou-se parte mesmo do meu ser.
E agora, em qualquer parte, a qualquer hora,
Quando eu fecho os olhos, vejo só você.

E cada um de nós é um a sós,
E uma só pessoa somos nós,
Unos num canto, numa voz.

O amor une os amantes em um ímã,
E num enigma claro se traduz;
Extremos se atraem, se aproximam
E se completam como sombra e luz.

E assim viemos, nos assimilando,
Nos assemelhando, a nos absorver.
E agora, não tem onde, não tem quando:
Quando eu fecho os olhos, vejo só você.

E cada um de nós é um a sós,
E uma só pessoa somos nós,
Unos num canto, numa voz.

Vaidade


de “Pra Você Me Ouvir”, de Eliana Printes
2003_Eliana_Printes_Pra_voce_me_ouvir_1024

Se você não quer se dar pra mim,
Dar pra mim,
Por favor, amor, não faça assim…
Faça assim:

Não me procure, me esqueça,
Me cure, não me enlouqueça,
Não me faça mal.
Não me faça mal.
Não me faça mal.

De que lhe serve esse fruto,
Se você não serve e eu não desfruto,
Afinal?

Meu sofrimento não há-de
Servir de alimento pra sua vaidade
Sem igual.

Quando Eu Fecho Os Olhos


de “Bossa Tropical”, de Gal Costa
2002_Gal_Bossa_tropical_1024

Aí você surgiu na minha frente,
E eu vi o espaço e o tempo em suspensão.
Senti no ar a força diferente
De um momento eterno desde então.

E aqui dentro de mim você demora;
Já tornou-se parte mesmo do meu ser.
E agora, em qualquer parte, a qualquer hora,
Quando eu fecho os olhos, vejo só você.

E cada um de nós é um a sós,
E uma só pessoa somos nós,
Unos num canto, numa voz.

O amor une os amantes em um ímã,
E num enigma claro se traduz;
Extremos se atraem, se aproximam
E se completam como sombra e luz.

E assim viemos, nos assimilando,
Nos assemelhando, a nos absorver.
E agora, não tem onde, não tem quando:
Quando eu fecho os olhos, vejo só você.

E cada um de nós é um a sós,
E uma só pessoa somos nós,
Unos num canto, numa voz.

Antes que Amanheça


de “Maricotinha”, de Maria Bethânia

2001_Maria_Bethania_Maricotinha_1024

Passa da uma, tudo emudeceu.
A lua é um CD de luz no céu
E aqui o meu apê é um deserto.
Agora cada um está na sua.
Você sumiu, você que é de lua,
E eu a queria tanto aqui por perto.

Meu bem, meu doce bem, minha senhora,
Eu poderia declarar agora
Meu grande amor, minha paixão ardente.
Em minha mente insone, só seu nome
Ecoa, só não soa o telefone;
E a sua ausência se faz mais presente.

Passa das duas na cidade nua;
Ao longe carros rugem para a lua
E alguma coisa fica mais distante.
Eu sinto a sua falta no meu quarto;
Será que você volta antes das quatro?
É tudo que eu queria nesse instante.

Experiência


de “Respeitem meus Cabelos Brancos”, de Chico César
2002_Chico_Cesar_Respeitem_meus_cabelos__brancos_1024

Era uma luz, um clarão
Era uma luz, um clarãoum insight num blecaute.
Éramos nós sem ação,
Éramos nós sem ação,como quem vai a nocaute.
Era uma revelação
Era uma revelaçãoe era também um segredo;
Era sem explicação,
Era sem explicação,sem palavras e sem medo.

Era uma contemplação
Era uma contemplaçãocomo com lente que aumenta;
Era o espaço em expansão
Era o espaço em expansãoe o tempo em câmara lenta.
Era uma tal comunhão
Era uma tal comunhãocom o um e tudo à solta;
Era uma outra visão
Era uma outra visãodas coisas à nossa volta.

E as coisas eram as coisas:
E as coisas eram as coisas:a folha, a flor e o grão,
O sol no azul e depois as
O sol no azul e depois asestrelas no preto vão.
E as coisas eram as coisas
E as coisas eram as coisascom intensificação,
Que as coisas eram as coisas
Que as coisas eram as coisasporém em ampliação.

Era como se as víssemos,
Era como se as víssemos,entrando nelas então,
Com sentidos agudíssimos
Com sentidos agudíssimosdesvelando seu desvão,
Indo por entre, por dentro,
Indo por entre, por dentro,aprendendo a apreensão
De tudo bem dês do centro,
De tudo bem dês do centro,do fundo, do coração.

Era qual uma lição
Era qual uma liçãodel viejo brujo don Juan;
Uma complexa questão
Uma complexa questãosem nexo qual um koan;
Um signo sem tradução
Um signo sem traduçãono plano léxico-semântico;
Enigma, contradição
Enigma, contradiçãono nível de um campo quântico.

Era qual uma visão
Era qual uma visãode um milagre microscópico,
Do infinito num botão,
Do infinito num botão,e em ritmo caleidoscópico
Ciclos de aniquilação
Ciclos de aniquilaçãoe criação sucessiva,
Átomos em mutação,
Átomos em mutação,cósmica dança de Shiva.

E as coisas ao nosso ver
E as coisas ao nosso verdavam no fundo a impressão
De ser de ser e não-ser
De ser de ser e não-sera sua composição;
Como a onda tão etérea
Como a onda tão etéreae a partícula não tão
Num ponto tal da matéria
Num ponto tal da matériatanto ‘tão quanto não ‘tão.

Até que ponto resistem
Até que ponto resistema lógica e a razão,
Já que nas coisas existem
Já que nas coisas existemcoisas que existem e não?
O que dizer do indizível,
O que dizer do indizível,se é preciso precisão,
Pra quem crê no que é incrível
Pra quem crê no que é incrívelnão devanear em vão?

Era uma vez num verão,
Era uma vez num verão,num dia claro de luz,
Há muito tempo, um tempão,
Há muito tempo, um tempão,ao som das ondas azuis.

E as coisas aquela vez
E as coisas aquela vezeram qual foram e são,
Só que tínhamos os pés
Só que tínhamos os pésum tanto fora do chão.

Antes Que Amanheça

Passa da uma, tudo emudeceu.
A lua é um CD de luz no céu
E aqui o meu apê é um deserto.
Agora cada um está na sua.
Você sumiu, você que é de lua,
E eu a queria tanto aqui por perto.

Meu bem, meu doce bem, minha senhora,
Eu poderia declarar agora
Meu grande amor, minha paixão ardente.
Em minha mente insone, só seu nome
Ecoa, só não soa o telefone;
E a sua ausência se faz mais presente.

Passa das duas na cidade nua;
Ao longe carros rugem para a lua
E alguma coisa fica mais distante.
Eu sinto a sua falta no meu quarto;
Será que você volta antes das quatro?
É tudo que eu queria nesse instante.

Quando Eu Fecho Os Olhos

de “Respeitem Meus Cabelos Brancos”, de Chico César

Aí você surgiu na minha frente,
E eu vi o espaço e o tempo em suspensão.
Senti no ar a força diferente
De um momento eterno desde então.

E aqui dentro de mim você demora;
Já tornou-se parte mesmo do meu ser.
E agora, em qualquer parte, a qualquer hora,
Quando eu fecho os olhos, vejo só você.

E cada um de nós é um a sós,
E uma só pessoa somos nós,
Unos num canto, numa voz.

O amor une os amantes em um ímã,
E num enigma claro se traduz;
Extremos se atraem, se aproximam
E se completam como sombra e luz.

E assim viemos, nos assimilando,
Nos assemelhando, a nos absorver.
E agora, não tem onde, não tem quando:
Quando eu fecho os olhos, vejo só você.

E cada um de nós é um a sós,
E uma só pessoa somos nós,
Unos num canto, numa voz.