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Canção pra Amazônia

Maior floresta tropical da Terra
A toda hora sofre um duro golpe.
Contra trator, corrente, motosserra,
A bela flora clama em vão: “Me poupe!”
Porém tem uma gente surda e cega
Para a beleza e o valor da mata,
Embora o mundo grite que já chega
Pois é a vida que o desmate mata.

Mais vasta ainda todavia é a devastação e o trauma:
Focos de fogo nos sufocam fauna, flora e até a alma.

Amazônia!
Razão de tanta insânia e tanta insônia!
Amazônia!
Objeto de omissão e ação errônea!
Amazônia!
É sem igual, sem plano B nem clone a
Amazônia!

Desmonte pra desmate e desvario
Liberam a floresta no Brasil
Pro agrobiz e pra mineração,
Pra hidrelétrica, pra exploração.
Recompensando o crime ambiental,
Desregulando o clima mundial,
Negam ciência, incêndio e derrubada.
Negando, vão passando a boiada.

Que ignorância, repugnância, a cada lance, a cada vídeo!
Que grande bioecoetnogenomatrisuicídio!

Amazônia!
Abaixo o (des) governo que abandone a
Amazônia!
Não mais a soja, o pasto que seccione a
Amazônia!
Não mais a carne, o prato que pressione a
Amazônia!

Dos povos da floresta sob pressão,
O indígena, seu grande guardião,
Em comunhão com ela há milênios,
Nos últimos e trágicos decênios
Vem vendo a mata sendo ameaçada
E cada terra deles atacada
Por levas de peões de poderosos
Com planos de riqueza horrorosos.

É invasão!, destruição!, ódio a quem são seus empecilhos!
Eles não pensam no amanhã nem do planeta nem dos próprios filhos!

Amazônia!
Abaixo o madeireiro que detone a
Amazônia!
Abaixo o garimpeiro que infeccione a
Amazônia!
Abaixo o grileiro que fraciona a
Amazônia!

Mais valiosa que qualquer minério,
Tragada pela mata que transpira,
A água que evapora sobe e vira
De veio subterrâneo a rio aéreo.
Mais volumosos do que o Amazonas,
Os rios voadores distribuem
Seus límpidos vapores que afluem
Ao Centro-Sul, chegando noutras zonas.

Então como é que na floresta mais chuvosa o fogo avança,
E ardendo em chamas nela queima de futuro uma esperança?

Amazônia!
Não mais um mandatário que intencione a
Amazônia,
Nem mais um empresário que ambicione a
Amazônia
Pra mais um ciclo de nação-colônia.
Amazônia!

Visão monumental que maravilha
Obra da natureza que exubera
De cores, seres, cheiros, som, de vida
Tão pródiga, tão pura, tão diversa
A fábrica de chuva mais prolixa
A máquina do mundo mais complexa
O doceanoverdeparaíso
O coração pulsante do planeta

Quinze mil árvores contudo agora estão indo pro chão.
Quinze mil vidas derrubadas só durante o tempo desta canção!…

… Amazônia…
Que nem desmatamento desmorone a
Amazônia!
E nem desmandamento deixe insone a
Amazônia!
E nem o aquecimento desfuncione a
Amazônia!

O que o índio viu, previu, falou,
Também o cientista comprovou.
Desmate aumenta, o clima seco aquece
A mata, o céu e a Terra, que estarrece.
Esse é o recado deles, lá no fundo:
Salve-se a selva ou não se salva o mundo!
Pra não torná-los um inferno, um forno,
Salve a Amazônia do ponto sem retorno!

Será que ainda tá em tempo ou o timing disso já perdemos?
Pois, evitemos pelo menos os eventos mais extremos.

Amazônia…
Quando afinal o homem dimensione a
Amazônia,
Que venha a ter valido a nossa insônia
– Amazônia –,
Enquanto nos encante e emocione a…
Amazônia!

Salve a Amazônia!
Salve-se a selva ou não se salva o mundo!

Demarcação Já

Já que depois de mais de cinco séculos
E de ene ciclos de etnogenocídio,
O índio vive, em meio a mil flagelos,
Já tendo sido morto e renascido,

Tal como o povo kadiwéu e o panará –

Demarcação já!
Demarcação já!

Já que diversos povos vêm sendo atacados,
Sem vir a ver a terra demarcada,
A começar pela primeira no Brasil
Que o branco invadiu já na chegada:

A do tupinambá –

Demarcação já!
Demarcação já!

Já que, tal qual as obras da Transamazônica,
Quando os milicos os chamavam de silvícolas,
Hoje um projeto de outras obras faraônicas,
Correndo junto da expansão agrícola,

Induz a um indicídio, vide o povo kaiowá,

Demarcação já!
Demarcação já!

Já que tem bem mais latifúndio em desmesura
Que terra indígena pelo país afora;
E já que o latifúndio é só monocultura,
Mas a T.I. é polifauna e pluriflora,

Ah!,

Demarcação já!
Demarcação já!

E um tratoriza, motosserra, transgeniza,
E o outro endeusa e diviniza a natureza:
O índio a ama por sagrada que ela é,
E o ruralista, pela grana que ela dá;

Hum… Bah!

Demarcação já!
Demarcação já!

Já que por retrospecto só o autóc-
Tone mantém compacta e muito intacta,
E não impacta, e não infecta, e se
Conecta e tem um pacto com a mata

–Sem a qual a água acabará –,

Demarcação já!
Demarcação já!

Pra que não deixem nem terras indígenas
Nem unidades de conservação
Abertas como chagas cancerígenas
Pelos efeitos da mineração

E de hidrelétricas no ventre da Amazônia, em Rondônia, no Pará…

Demarcação já!
Demarcação já!

Já que “tal qual o negro e o homossexual,
O índio é ´tudo que não presta´”, como quer
Quem quer tomar-lhe tudo que lhe resta,
Seu território, herança do ancestral,

E já que o que ele quer é o que é dele já,

Demarcação, “tá”?
Demarcação já!

Pro índio ter a aplicação do Estatuto
Que linde o seu rincão qual um reduto,
E blinde-o contra o branco mau e bruto
Que lhe roubou aquilo que era seu,

Tal como aconteceu, do pampa ao Amapá,

Demarcação lá!
Demarcação já!

Já que é assim que certos brancos agem:
Chamando-os de selvagens, se reagem,
E de não índios, se nem fingem reação
À violência e à violação

De seus direitos, de Humaitá ao Jaraguá;

Demarcação já!
Demarcação já!

Pois índio pode ter Ipad, freezer,
TV, caminhonete, “voadeira”,
Que nem por isso deixa de ser índio
Nem de querer e ter na sua aldeia

Cuia, canoa, cocar, arco, maracá.

Demarcação já!
Demarcação já!

Pra que o indígena não seja um indigente,
Um alcoólatra, um escravo ou exilado,
Ou acampado à beira duma estrada,
Ou confinado e no final um suicida,

Já velho ou jovem ou – pior – piá.

Demarcação já!
Demarcação já!

Por nós não vermos como natural
A sua morte sociocultural;
Em outros termos, por nos condoermos –
E termos como belo e absoluto

Seu contributo do tupi ao tucupi, do guarani ao guaraná.

Demarcação já!
Demarcação já!

Pois guaranis e makuxis e pataxós
Estão em nós, e somos nós, pois índio é nós;
É quem dentro de nós a gente traz, aliás,
De kaiapós e kaiowás somos xarás,

Xará.

Demarcação já!
Demarcação já!

Pra não perdermos com quem aprender
A comover-nos ao olhar e ver
As árvores, os pássaros e rios,
A chuva, a rocha, a noite, o sol, a arara

E a flor de maracujá,

Demarcação já!
Demarcação já!

Pelo respeito e pelo direito
À diferença e à diversidade
De cada etnia, cada minoria,
De cada espécie da comunidade

De seres vivos que na Terra ainda há,

Demarcação já!
Demarcação já!

Por um mundo melhor ou, pelo menos,
Algum mundo por vir; por um futuro
Melhor ou, oxalá, algum futuro;
Por eles e por nós, por todo mundo,

Que nessa barca junto todo mundo “tá”,

Demarcação já!
Demarcação já!

Já que depois que o enxame de Ibirapueras
E de Maracanãs de mata for pro chão,
Os yanomami morrerão deveras,
Mas seus xamãs seu povo vingarão,

E sobre a humanidade o céu cairá,

Demarcação já!
Demarcação já!

Já que, por isso, o plano do krenak encerra
Cantar, dançar, pra suspender o céu;
E indígena sem terra é todos sem a Terra,
É toda a civilização ao léu

Ao deus-dará.

Demarcação já!
Demarcação já!

Sem mais embromação na mesa do Palácio,
Nem mais embaço na gaveta da Justiça,
Nem mais demora nem delonga no processo,
Nem retrocesso nem pendenga no Congresso,

Nem lengalenga, nenhenhém nem blablablá!

Demarcação já!
Demarcação já!

Pra que nas terras finalmente demarcadas,
Ou autodemarcadas pelos índios,
Nem madeireiros, garimpeiros, fazendeiros,
Mandantes nem capangas nem jagunços,

Milícias nem polícias os afrontem.

Vrá!

Demarcação ontem!
Demarcação já!

E deixa o índio, deixa o índio, deixa os índios lá.

Antes que Amanheça


de “Maricotinha”, de Maria Bethânia

2001_Maria_Bethania_Maricotinha_1024

Passa da uma, tudo emudeceu.
A lua é um CD de luz no céu
E aqui o meu apê é um deserto.
Agora cada um está na sua.
Você sumiu, você que é de lua,
E eu a queria tanto aqui por perto.

Meu bem, meu doce bem, minha senhora,
Eu poderia declarar agora
Meu grande amor, minha paixão ardente.
Em minha mente insone, só seu nome
Ecoa, só não soa o telefone;
E a sua ausência se faz mais presente.

Passa das duas na cidade nua;
Ao longe carros rugem para a lua
E alguma coisa fica mais distante.
Eu sinto a sua falta no meu quarto;
Será que você volta antes das quatro?
É tudo que eu queria nesse instante.