Arquivo da categoria: Tetê Espíndola

Oh, Pantanal

Na natureza de beleza deslumbrante,
Vemos o rastro do desastre pelo chão.
E o que já estamos vislumbrando mais adiante
É de tocar e de cortar o coração.

Que aconteceu com tanto verde e tanta água
E o céu azul que a fumaça diluiu?
Quem tocou fogo e provocou um mega estrago à
Vegetação e quem o rio poluiu?

Pantanal,
Qual teu destino final,
Nosso destino afinal?
Qual, Pantanal?

Nem pássaro, nem peixe, nem onça, nem réptil
Deve morrer queimado ou seco ano a ano.
Oh que a mãe Terra interceda e intercepte o
Golpe fatal da mão do ser humano,

Por tuas cheias e vazantes e história,
Pelas araras, tuiuiús e jacarés,
Visão da criação de Deus, de sua glória,
Do roxo dos ipês a tudo que tu és.

Pantanal,
Qual teu destino final,
Nosso destino afinal?
Qual, Pantanal?

Embaixo um rio baixo, em cima um sol laranja,
No ar um cheiro de fuligem e fumaça.
O que há de ser de nós no incerto do amanhã já
Que no presente a gente está sob ameaça?

Já que pra nós importa a vida da planície,
Que tá secando a cada ciclo que completa,
A vida verde da alagável superfície,
A mais infinda e das mais lindas do planeta.

Pantanal,
Qual teu destino final,
Nosso destino afinal?
Qual, Pantanal?

A seca chega, a chuva some, e é só tragédia.
Ao sol que cega, o solo racha, a vida míngua.
A seca pálida, esquálida, precede a
Propagação do fogo e suas línguas.

O fogo é alto, e também alto é seu ronco.
Veloz, seu movimento ao vento, e a ação
Torna um palito cada galho e cada tronco,
De cinza branca como neve cobre o chão.

Pantanal,
Qual teu destino final,
Nosso destino afinal?
Qual, Pantanal?

Os rios descem do planalto, onde nascem,
Mas as nascentes o “agrobiz” tá destruindo.
O pantaneiro em vão lamenta a fase má sem
Que a cheia deixe de ir diminuindo.

A natureza grita, o coração aperta!
Quem ouve é gente que conserva o ambiente.
Com esperança de que a condição reverta,
Restaura o solo e recupera a nascente.

Pantanal,
Qual teu destino final,
Nosso destino afinal?
Qual, Pantanal?

Mineração, barragem, mudança climática,
O agrotóxico, a exótica pastagem,
O mar de soja, o rio sujo, o desmate, ca-
Da vez mais esticada a estiagem.

A natureza avisa e a ciência alerta:
Do modo que vão degradando o seu entorno,
O Pantanal, irão torná-lo um deserto,
Irão levá-lo além do ponto sem retorno.

Pantanal,
Qual teu destino final,
Nosso destino afinal?
Qual, Pantanal?

Pantanal,
Qual teu destino final,
Nosso destino afinal?
OH, PANTANAL?

Crisálida-Borboleta

teteasasdoetereocapacd

(composição de 1984)

De palavra a palavreta
Crisalita a brisoleta
De lagarta a borboletra
A crisálida

Desencasula a crisálida
Aquarela alada, crisálita
Em lazulita, crisólita
Quem deslinda uma linguagem insólita?

Criso-briso-bribo-boiboleta ao pleniléu
Asalegre bela pelepétala de papel
Libralisa a brisa lindesliza a lisabrir
Butterflyingflower deflowerer fleeting like a flee

Borboleta
Extravagante e travessa
Vagabunda transmutante qual um travesti

Ajoelha e Reza

E aí, ele disse pra mim
Como vai?
E aí, eu me disse taí
Minha chance
Respondi
Tudo bem e você onde vai?
Foi daí
Que saímos dali prum romance

E de repente na nossa história
De amor e de glória
Ele vem e me agarra,
eu me amarro
ele ajoelha e reza
E então me confessa

Que tá na maior paixão
e nunca esteve assim
Nem sente seus pés no chão
E até se realça por causa de mim

E assim, o que ele me faz
Pode ser
Pode sim, pode até parecer uma cena
Mas pra mim, é uma cena real
Radical!
Tão real, que parece igual no cinema

E nesse filme de amor e ventura
Verdade e mentira
um pornô com ternura
Ele vem e se atira,
eu morro
E depois me comovo
quando me diz de novo

Que tá na maior paixão
e nunca esteve assim
Nem sente seus pés no chão
E até se realça por causa de mim

E assim, o que ele me faz
Pode ser
Pode sim, pode até parecer uma cena
Mas pra mim, é uma cena real
Radical!
Tão real, que parece igual no cinema

E de repente na nossa história
De amor e de glória
Ele vem e me agarra,
eu me amarro
ele ajoelha e reza
E então me confessa

Que tá na maior paixão
e nunca esteve assim
Nem sente seus pés no chão
E até se realça por causa de mim
Tá na maior paixão
e nunca esteve assim
Nem sente seus pés no chão
E até se realça por causa de mim
Tá na maior paixão
e nunca esteve assim
Nem sente seus pés no chão
E até se realça por causa de mim

Tá na maior paixão

Essa Tarde

Essa tarde no alarde do seu lusco-fusco
É a tela mais bela na luz do crepúsculo
Tantas nuvens reluzem num grande lençol
Desmanchando e manchando o azul dos espaços
A terra emudeceu
Diante das cores no céu

O que vemos agora é mesmo um milagre
É a glória fugaz e capaz de uma lágrima
De beleza o olho vermelho do sol
Incendeia tua pele, cabelos e pelos
O céu, a terra, o chão
A nós e à nossa paixão

Cururu


de “Gaiola”, de Tetê Espíndola
1986_Tete_Espinola_Gaiola_1024

Ouça
Uma vez o meu irmão virou uma onça
Onça
De passo leve no escuro
Passo
Que nem de sapo-cururu

Eh, eh!
Meu irmão que nem meu tio iauaretê
Isso
Foi um feitiço, eu lhe juro
Até
Fiquei um tanto jururu

De repente, onde o corpo de um homem
Patas, pintas, porte e força de uma onça

Teria sido imagem imaginária
Ou era tudo verdade pura veraz?
Teria sido miragem visionária
Ou era ele aquela fera feroz?

Onça?
Não, o meu irmão não passa de uma moça
Mansa
Que nem um sapo numa poça
Puro
Que nem a flor de um cipó-

-Cururu.

Na Chapada

de “Gaiola”, de Tetê Espíndola
1986_Tete_Espinola_Gaiola_1024

Há um chuvisco na Chapada
Em toda a mata um cochicho em cê-agá
Chuá-chuá na queda d´água
Eu me espicho e fico quieta
Nada me falta

O véu de noiva de água virgem
Me elevou, envolveu
A sua ducha me deu vertigem
Arrepio, rodopio, em mim
Seu jorro não tem mais fim

E nesse êxtase me deixo
Não sei quem sou
Estou no meio do arco-íris
E saboreio elixires de amarílis

Na cachoeira-enxurrada
O véu da chuva desceu
No vento nuvem
Do céu desaba
Chapinhante, espumante champanhe
Chapada dos Guimarães

Nós

O que sentimos entre nós
mesmo longe ou mesmo a sós
É tão íntimo e tão bonito
É nítido e preciso
E precioso como é o sol

O sol nasce, o sol se põe
E renasce e se impõe
E rebrilha em nossa vida a dois
Que hoje e depois
Depende somente de nós

Pois toda vez que nos vemos
É sempre mais intensa e mansa
A atração dos olhos e das mãos
E corpos como dois ímãs

E quanto mais essa chama
Aquece e chama
E permanece tão constante
Que nos incendeie sem nos consumir
E continue a fluir
Muito além do instante.

Pássaros na garganta


de “Pássaros na Garganta”, de Tetê Espíndola

1982_Tete_Espinola_Passaros_na_garganta_1024

No céu da minha garganta
Eu tenho ao cantar
Pássaros que quando cantam
Não posso conter
Solto o que se levanta
Do meu ser
E vou ao sol no vôo
Enquanto sôo

Mas quando num céu tão cinza
Não vejo passar
Os pássaros que extinguem
Da terra e do ar
Passo o que existe em mim
A doer
Me dou tão só ao som
Com dó e dom

E o que sinto vai contra
Quem varre as matas e arremata a terra-mãe
E me indigna a onda
De insanos atos de insensatos que não amaina

Ânsia de que a vida seja mais cheia de vida
Pelas alamedas, pelas avenidas
Em aroma cor e som –
Árvores e ares, pássaros e parques
Para todos e por todos
Preservados em cada coração

Mas quando num grito raro
Se apossa de mim
O espírito desses pássaros
Que não tem fim
Espalho pelo espaço
O que não há
Com amor e com arte
Garganta e ar

Cuiabá


de “Pássaros na Garganta”, de Tetê Espíndola

1982_Tete_Espinola_Passaros_na_garganta_1024

Vaia de arara passa pelos ares
Daqui pra ali
Fica no olhar a flutuar o leque
Do buriti

Se abre sobre a cidade verde
O céu de anil
No coração da América a terra de ócio
De sol e rio

Cuiabá
De onde se ouviu
Som de índio cantando à beira do rio

Cuiabá
De onde se vê
Cuia à beça, cabaça de cuietê

Cuiabá
Dos pacus
Dos furrundus
Dos cajus
Do João
“São” Sebastião
Da cabocla de pele queimada
De Leveger
Dos leques de palha
Talhas de São Gonçalo

Ah! Essa gente
Esse calor
Quero pra sempre
Com muito amor

Amor e Guavira


de “Pássaros na Garganta”, de Tetê Espíndola

1982_Tete_Espinola_Passaros_na_garganta_1024

No cerrado onde o mato é grosso e a coisa é fina
Entre um cacho e um trago um moço abraça uma menina
O namoro é debaixo de uma árvore da flora
Onde ambos lambuzamos nossa cara de amora

Nesse ambiente exuberante e fruto do amor
A guavira água vira em nossa boca, ai que sabor
Língua a língua se fala a linguagem de quem beija-flor
Flor da pele que me impele assim
Ao mais louco amor
Que se faz naturalmente enfim
Seja onde for

Pássaro Sobre O Cerrado

Pássaro sobre o cerrado

Sua vida suave sabe o canto

E o corte sem saber

Do veneno que pode com o vento

Minar seu alimento

Ser que voa pelo ar com sol

Acima de qualquer mal

Lembrando apenas

Viver vale a pena

Um pássaro encerrado eu sinto

Alça voo consigo

Pássaro sobre o cerrado

Sua desaparição não tem nada a ver

A não ser como agora

Para o sul na lonjura azul

Alça voo consigo

Pássaro sobre o cerrado

Sua desaparição não tem nada a ver

A não ser como agora

Para o sul na lonjura azul