Preto dá duro no Mississippi,
Duro pro branco poder brincar,
Puxando barco, não descansando,
Até o Juízo Final chegar.
Baixe o olhar,
Não diga não,
Não deixe puto
O seu patrão.
Curve o corpo,
É seu dever,
E puxe a corda
Até morrer.
Quero deixá longe o Mississippi,
Quero deixá meu sinhô pra lá,
E vê o rio que é velho e sábio,
Rio Jordão que inda vô cruzar.
Sábio rio,
O rio sábio,
Que sabe tudo
Mas fica mudo,
Só vai rolando,
Vai só rolando, ao léu.
Num planta nada,
Nem algodão,
Quem planta não é
Lembrado, não.
O sábio rio
Vai só rolando, ao léu.
Nós aqui
No suador,
Corpo já morto
De esforço e dor –
Puxe o barco!
Pegue o peso!
Beba um pouco mais
E você vai preso…
Já tô cheio,
Sofrer me frustra,
Viver me cansa,
Morrer me assusta;
Mas, sábio, o rio
Vai só rolando, ao léu.
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Colored folks work on de Mississippi, Colored folks work while de white folks play, Pullin´ dem boats from de dawn to sunset, Gittin´ no rest till de Judgement Day.
Don’ look up An´ don´ look down – You don´ dast make De white boss frown. Bend your knees An´ bow your head, An´ pull dat rope Until yo´ dead.
Let me go ´way from de Mississippi, Let me go ´way from de white man boss; Show me dat stream called de river Jordan, Dat´s de ol´ stream dat I long to cross.
Ol´ Man River, Dat Ol´ Man River, He mus´ know sumpin´ But don´ say nuthin´, He jes´ keeps rollin´, He keeps on rollin´ along.
He don´ plant taters, He don´ plant cotton, An´ dem dat plants´em Is soon forgotten, But Ol´ Man River, He jes´ keeps rollin´ along.
You an´ me, We sweat an´ strain, Body all achin´ An´ racked wid pain – Tote dat barge! Lif´ dat bale! Git a little drunk, An´ you land in jail…
Ah gits weary An´ sick of tryin´; Ah´m tired of livin´ An´ skeered of dyin’, But Ol´Man River, He jes´ keeps rollin´ along.
Música de Jerome Kern e letra de Oscar Hammerstein II, 1927
You don´t know that I felt good, When we up and parted. You don´t know I knocked on wood, Gladly broken-hearted.
Worrying is throught, I sleep all night, Appetite and health restored. You don’t know how much I´m bored!
The sleepless nights, The daily fights, The quick toboggan when you reach the heights, I miss the kisses and I miss the bites – I wish I were in love again.
The broken dates, The endless waits, The lovely loving and the hateful hates, The conversation with the flying plates – I wish I were in love again.
No more pain, No more strain, Now I´m sane, but I would rather be ga-ga!
The pulled out fur of cat and cur, The fine mismating of a him and her, I´ve learned my lesson, but I wish I were In love again.
The furtive sigh, The blackened eye, The words: “I´ll love you ´til the day I die”, The self-deception that believes the lie – I wish I were in love again.
When love congeals, It soon reveals The faint aroma of performing seals, The double-crossing of a pair of heels – I wish I were in love again.
No more care, No despair, I´m all there now, But I´d rather be punch-drunk!
Believe me, sir, I much prefer The classic battle of a him and her, I don´t like quiet, and I wish I were In love again.
Música de Richard Rodgers e letra de Lorenz Hart, 1937
Após nove ou dez conhaques,
Acordei qual uma flor,
Sem Engov nem ataques;
Nem senti tremor.
Homem sempre me aparece;
Geralmente bem me dou.
Mas um meia-boca desse
Me desconcertou.
Tinindo estou;
Curtindo estou;
Criança, chorando e sorrindo estou;
Inquieta, tonta e encantada estou.
Sem dormir,
Não tem dormir,
O amor vem e diz: não convém dormir… –
Inquieta, tonta e encantada estou.
Me perdi, dominada,
E daí? Errei, sim.
Ele é uma piada,
A piada sobre mim.
Ele é o fim,
E até o fim
Vou tê-lo pra vê-lo, com fé, no fim,
Inquieto, tonto e encantado também.
Vi demais,
Vivi demais,
Mas hoje eu já adolesci demais –
Inquieta, tonta e encantada estou.
Niná-lo eu vou,
No embalo, eu vou,
Um dia na pele grudá-lo eu vou –
Inquieta, tonta e encantada estou.
Ao falar, ele sente
Travação, timidez;
Mas horizontalmente
Falando, ele é dez.
Perplexa, enfim,
Com nexo, enfim,
Com – graças a Deus – muito sexo, enfim,
Inquieta, tonta e encantada estou.
Ele é um tolo, mas um tolo
O seu charme às vezes tem;
Em seus braços eu me enrolo,
Que nem um neném.
Caso é aquela coisa louca;
Nem dormindo eu estou,
Desde que esse meia-boca
Me desconcertou.
Que bom, assim,
Mignon, assim,
E com meu estilo, em meu tom, assim,
Inquieta, tonta e encantada estou.
Quem sou eu?
Alguém sou eu
Ardendo ao pensar que o seu bem sou eu –
Inquieta, tonta e encantada estou.
“Não, senhor, obrigada” –
No início eu falei.
Hoje a gente é chegada
Mais do que Erasmo e o Rei.
Pronta, então,
Desponto, então,
Pantera, madura, no ponto, então –
Inquieta, tonta e encantada estou.
Sensata, enfim,
Constato, enfim,
Sua baixa estatura de fato, enfim –
Inquieta, tonta e encantada não mais.
Doeu demais;
Rendeu demais;
Você ganhou muito e perdeu demais ––
Inquieta, tonta e encantada não mais.
Tive um surto dispéptico,
Mas viver já não dói.
Tenho o peito antisséptico,
Dês que você se foi.
Romance – finis;
Sem chance – finis;
Calor a invadir meu colant – finis;
Inquieta, tonta e encantada não mais.
*
Bewitched, Bothered and Bewildered
After one whole quart of brandy, Like a daisy I awake. With no Bromo-Seltzer handy, I don´t even shake. Men are not a new sensation; I´ve done pretty well, I think. But this half-pint imitation Put me on the blink.
I’m wild again, Beguiled again, A simpering, whimpering child again – Bewitched, bothered and bewildered am I. Couldn´t sleep And wouldn´t sleep When love came and told me I shouldn´t sleep – Bewitched, bothered and bewildered am I. Lost my heart, but what of it? My mistake, I agree. He´s a laugh, but I love it, Because the laugh´s on me. A pill he is, But still he is All mine and I´ll keep him until he is Bewitched, bothered and bewildered like me.
I´ve seen a lot – I mean a lot – But now I´m like sweet seventeen a lot – Bewitched, bothered and bewildered am I. I´ll sing to him, Each spring, to him, And long for the day when I´ll cling to him – Bewitched, bothered and bewildered am I. When he talks, he is seeking Words to get off his chest. Horizontally speaking, He´s at his very best. Vexed again, Perplexed again, Thank God, I can be oversexed again – Bewitched, bothered and bewildered am I.
He´s a fool, and don´t I know it, But a fool can have his charms; I´m in love, and don´t I show it, Like a babe in arms. Love´s the same old sad sensation; Lately I´ve not slept a wink, Since this half-pint imitation Put me on the blink.
Sweet again, Petite again, And on my proverbial seat again – Bewitched, bothered and bewildered am I. What am I? Half shot am I. To think that he loves me so hot am I – Bewitched, bothered and bewildered am I. Though at first we said “No, sir”, Now we´re two little dears. You might say we are closer Than Roebuck is to Sears. I´m dumb again, And numb again, A rich, ready, ripe little plum again – Bewitched, bothered and bewildered am I.
Wise at last, My eyes at last Are cutting you down to your size at last – Bewitched, bothered and bewildered no more. Burned a lot, But learned a lot, And now you are broke, so you earned a lot – Bewitched, bothered and bewildered no more. Couldn´t eat, was dyspeptic; Life was so hard to bear; Now my heart´s antiseptic, Since you moved out of there. Romance – finis. Your chance – finis. Those ants that invaded my pants – finis. Bewitched, bothered and bewildered no more.
Música de Richard Rodgers e letra de Lorenz Hart, 1941
Um Bobo e um Babaca, num passeio à beira-mar,
Se topam e papeiam no seu jeito singular.
Os dois são respeitáveis, cada qual um cidadão,
E a gente logo nota que eles têm os pés no chão.
– Olá! – Como está?
– Diga aí! – Que que há?
– Tô bem! – Legal!
– Haha! – Menos mal!
– Bem, bem… – E então?
– Lindo dia! – Como não?
– E o pessoal? – Que que há?
– Que bom! – Como está?
O tempo ´tá bonito mas me dói olhar o céu:
Saí de guarda-chuva e obviamente não choveu.
– Ai, ai! – É a vida!
– E a patroa? – E a lida?
– Já ´tá tarde! – Meu Deus!
– ´Tão tá! – Fica assim… – Adeus!
Dez anos se passaram pr´esses homens essenciais,
Até que se toparam por acaso uma vez mais.
Que os dois evoluíram não há dúvida pra gente,
E assim os dois têm muito o que contar, naturalmente.
– Olá! – Como está?
– Diga aí! – Que que há?
– Tô bem! – Legal!
– Haha! – Menos mal!
– Bem, bem… – E então?
– Lindo dia! – Como não?
– E o pessoal? – Que que há?
– Que bom! – Como está?
Já vi a sua cara, mas seu nome é mesmo qual?
Ah, como está, garoto? ´Cê não muda, tá igual!
– Ai, ai! – É a vida!
– E a patroa? – E a lida?
– Já ´tá tarde! – Meu Deus!
– ´Tão tá! – Fica assim… – Adeus!
Vinte anos mais se passam; de repente no jardim
Da casa de São Pedro reencontram-se por fim.
Asinhas têm nas costas, e nas mãos têm uma harpinha,
Que os dois vão dedilhando, entoando a ladainha:
– Olá! – Como está?
– Diga aí! – Que que há?
– Tô bem! – Legal!
– Haha! – Menos mal!
– Bem, bem… – E então?
– Lindo dia! – Como não?
– E o pessoal? – Que que há?
– Que bom! – Como está?
Você ficou um pouco mais cheinho, me parece;
Ei, vem me visitar e tomar uma um dia desse.
– Ai, ai! – É a vida!
– E a patroa? – E a lida?
– Já ´tá tarde! – Meu Deus!
– ´Tão tá! – Fica assim… – Adeus!
A Babbitt met a Bromide on the avenue one day. They held a conversation in their own peculiar way. They both were solid citizens – they both had been around. And as they spoke you clearly saw their feet were on the ground:
– Hello! – How are you? – Howza folks? – What´s new? – I´m great! – That´s good! – Ha! Ha! – Knock wood! – Well! Well! – What say? – Howya been? – Nice day! – How´s tricks? – What´s new? – What´s fine! – How are you?
Nice weather we are having but it gives me such a pain: I’ve taken my umbrella so of course it doesn’t rain.
Ten years went quickly by for both these sub-sti-an-tial men, And then it happened that one day they chanced to meet again. That they had both developed in ten years there was no doubt, And so of course they had an awful lot to talk about.
– Hello! – How are you? – Howza folks? – What´s new? – I´m great! – That´s good! – Ha! Ha! – Knock wood! – Well! Well! – What say? – Howya been? – Nice day! – How´s tricks? – What´s new? – What´s fine! – How are you?
I’m sure I know your face, but I just can’t recall your name; Well, how´ve you been, old boy, you’re looking just about the same.
Before they met again some twenty years they had to wait, This time it happened up above inside St. Peter’s gate. A harp each one was carrying and both were wearing wings, And this is what they sang as they were strumming on the strings:
– Hello! – How are you? – Howza folks? – What´s new? – I´m great! – That´s good! – Ha! Ha! – Knock wood! – Well! Well! – What say? – Howya been? – Nice day! – How´s tricks? – What´s new? – What´s fine! – How are you?
You’ve grown a little stouter since I saw you last, I think. Come up and see me sometime and we’ll have a little drink.
É verão,
E a vida tá boa.
Quanto peixe!
E que lindo o algodão!
O papai tá rico
E a mamãe tá bonita.
Então, nenenzinho,
Chora não.
Um dia desses
Vais acordar cantando,
Vais abrir as asas
E o céu atingir.
Até tal dia,
Nada vai te fazer mal,
Com o papi e a mami
Junto a ti.
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Summertime, And the livin’ is easy. Fish are jumpin’ And the cotton is high. Oh, your daddy’s rich And your mom’s good lookin’. So, hush, little baby, Don’t you cry.
One of these mornings You’re going to rise up singing. Then you’ll spread your wings, And you’ll take to the sky. But till that morning There’s a’ nothing can harm you, With daddy and mommy Standing by.
Música de George Gershwin e letra de Ira Gershwin e Dubose Heyward, 1935
Seriam tão felizes
Joanas, Beatrizes,
Ah se
Ganhassem-me.
Você, tão persistente,
A mim, tão resistente,
Venceu –
E convenceu.
Oh meu grande e elegante, meu Romeu,
Sei que te ganhei, não sei como ocorreu.
Nem és assim perfeito,
Mas agitou meu peito
Te ver
Aparecer.
Tenho um xodó por ti,
Pão de mel;
Ando suspirando
Pra dedéu.
Eu nunca tive em mente
Me apaixonar tão intensamente.
Que tal eu,
Que tal tu,
Num chalé charmoso
Pra chuchu?
Do meu chamego tem dó,
Que eu tenho um xodó,
Meu broto, por ti.
Tenho um xodó por ti,
Pão de mel;
Ando suspirando
Pra dedéu.
Não é só azaração;
Provamos que há predestinação.
Topo eu,
Topo tu,
No chalé charmoso
Pra chuchu.
O teu chamego dá dó,
Que eu tenho um xodó,
Meu broto, por ti.
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How glad the many millions Of Annabelles and Lillians Would be To capture me.
But you had such persistence You wore down my resistance. I fell – And it was swell.
You´re my big and brave and handsome Romeo. How I won you, I shall never, never know.
It´s not that you´re attractive – But oh, my heart grew active When you Came into view.
I´ve got a crush on you, Sweetie pie. All the day and night-time Hear me sigh. I never had the least notion That I could fall with so much emotion.
Could you coo? Could you care For a cunning cottage We could share? The world will pardon my mush, ´Cause I´ve got a crush, My baby, on you.
I´ve got a crush on you, Sweetie pie. All the day and night-time Hear me sigh. This isn´t just a flertation; We´re proving that there´s predestination.
I could coo, I could care For that cunning cottage We could share. Your mush I never shall shush, ´Cause I´ve got a crush, My baby, on you.
Música de George Gershwin e letra de Ira Gershwin, 1928
Tiro minha cartola, reverente
Pro galhardo bahiano assaz valente
Babo pelos batutas, pelo dom
De dongaroto e do menino bom
Gamo pela magnífica divina
E notável pequena linda flor
Devoto de Gonzaga e do divino
Eu rendo graças ao nosso sinhô
Bebo na fonte de cascata e cascatinha
De ribeiro e riachão
Num ban-kéti no matão
Colho do fruto benedito de oliveiras
De pereira, de moreiras
De carvalho e jamelão
Devoro jararaca e ratinho
Bebo araca e mordo a carmen
De peixoto e de martins
Degluto batatinha e gordurinha
Como muita clementina
E chupo muito amorim
Tomo cachaça e fumo charutinho
Baixa em mim um caboclinho
Danço ao jack-som do pandeiro
Além do bandolim, do cavaquinho
De viola e vassourinha
E por fim de um seresteiro
Então qual um joão-de-barro, um ás
De um bando de tangarás
Ou que nem um rouxinol
Canto que nem sabiá:
Lalá, lalá, lalá, lalá, lalá!
A aurora humbertei-cheira a noel-rosa
Orl-ando por um la-marçal barroso
Por vales e por lagos encantados
Por mários nunca dantas navegados
Num vale d’ouro (dourival) caí-mmi
Lau-rindo ao wil-som e ao luar tão cândido
De lobos e de lupes a ulular
Seu cântico mansueto pelo ar
In-ciro-me de orestes em diante
Na linhagem de beleza
De poder e realeza
De generais, sargentos, almirantes
De custódios, comandantes
De reis, rainhas, príncipes, princesas
E vamos nelson todos nesse bando
De namorados da lua
Tomando banho de lua
A estrela dalva lá no ab-ismael
Do blecaute da amplidão
Nos en-candeia no chão
Entre os anjos do inferno e os diabos do céu
Vivo e morro dos prazeres
E dolores da paixão
Re-cito Lamartine pra de-déo
Enfim sou um Catulo da canção!
de “Não Vou Pro Céu Mas Já Não Vivo no Chão”, de João Bosco
Ela incendiou meus dias mornos e normais,
Muito embora às vezes meio tonta…
Mas qualquer mulher não faz as coisas que ela fez;
Mais prazer não dá do que me dava toda vez.
Negra, linda, leve, nova, vejam vocês,
Com nitidez:
Eis minha ex.
Diante do eclipse desse amor,
Ante seu anti-resplendor,
A noite vem reacender
Memórias do calor e do clarão
De cada instante de explosão
Irradiante de prazer.
Me tirando o sono e roubando a minha paz,
O desassossego toma conta.
Portanto o que me importa é pôr um ponto
Enfim nas contas desse amor,
Em cada contra, em cada pró,
E me dispor pro próximo e estar pronto
E ir ao encontro do que for:
O que já era já é pó.
Quero agora uma nova ela,
Pro meu dia irradiar
E meu coração sorrir;
Uma nova ela, nova estrela,
Pr’eu seguir e me guiar,
Me guiar e me seguir.
de “Não Vou Pro Céu Mas Já Não Vivo no Chão”, de João Bosco
Céu azul, azul, azul;
Cor-de-rosa pôr-do-sol;
Véu da aurora boreal;
Mar de estrelas lá no céu;
Luz de fogos na amplidão;
Lua-prata qual CD;
Preto eclipse do esplendor;
Arco-íris multicor:
Tudo, tudo isso não
Chega perto de você,
De seus olhos, seu olhar,
Suas pernas, seu andar,
Sua cara, coração,
Sua boca e um não-sei-quê,
De sua pele, sua cor –
Do seu corpo, meu amor…
Verdes pampas lá do Sul;
Costa Branca igual lençol;
Na vazante, o Pantanal;
Barcelona, Parque Guell;
Monte Fuji no Japão;
Garopaba em SC;
Amazônia, selva em flor;
Mar azul de Salvador:
Tudo, tudo isso não
Chega perto de você,
Nem da graça nem da cor
Do seu corpo, meu amor…
“Nego” (Biscoito Fino, 2009) – CD com produção artística de Carlos Rennó e versões para o português, de sua autoria, de standards norte-americanos dos anos 20 a 40 do século passado. Produção musical e arranjos de Jaques Morelenbaum e participação de grandes artistas da música brasileira (Gal Costa, Erasmo Carlos, João Bosco, Elba Ramalho, Dominguinhos, João Donato, Maria Rita, Seu Jorge, Moreno Veloso, Carlinhos Brown, Gabriel o Pensador, Zélia Duncan, Paula Morelenbaum, Ná Ozzetti, Simoninha, Emilio Santiago e Olivia Hime).
“Nego”
projeto, produção artística e versões de Carlos Rennó
produção musical de Jaques Morelenbaum
selo Biscoito Fino
2009
1 – Meu Romance – My Romance (Richard Rodgers e Lorenz Hart) Gal Costa
2 – Encantada – Bewitched , Bothered and Bewildered (Richard Rodgers e Lorenz Hart) Maria Rita
3 – Tão Fundo É o Mar (How Deep Is The Ocean) (Irving Berlin) Moreno Veloso
4 – Verão – Summertime (George & Ira Gershwin) Erasmo Carlos
5 – Estava Escrito nas Estrelas – It Was Written in The Stars (Harold Arlen e Leo Robin) Emílio Santiago
6 – Nego – Lover (Richard Rodgers e Lorenz Hart) Paula Morelenbaum
7 – Sábio Rio – Ol´ Man River (Jerome Kern e Oscar Hammerstein) João Bosco *
8 – Fruta Estranha – Strange Fruit (Lewis Allan) Seu Jorge
9 – Tenho um Xodó por Ti – I´ve Got a Crush on You (George & Ira Gershwin) Elba Ramalho, Dominguinhos e João Donato
10 – Queria Estar Amando Alguém – I Wish I Were in Love Again (Richard Rodgers e Lorenz Hart) Ná Ozzetti e Wilson Simoninha
11 – O Homem que Partiu – The Man That Got Away (Harold Arlen e Ira Gerswhin) Luciana Souza
12 – Mais Além do Arco-Íris – Over The Rainbow (Harold Arlen e E.Y. Harburg) Zélia Duncan
13 – Natal Lindo – White Christmas (Irving Berlin) Olivia Hime
14 – Meu Romance (faixa-bônus) – My Romance ((Richard Rodgers e Lorenz Hart) Gal Costa e Carlinhos Brown
Versões de Carlos Rennó, com exceção de: * Carlos Rennó e Nelson Ascher
Pra bom entendedor meia palavra bas-
Eu vou denunciar a sua ação nefas-
Você amarga o mar, desflora a flores-
Por onde você passa, o ar você empes-
Não tem medida a sua sanha imediatis-
Não tem limite o seu sonho consumis-
Você deixou na mata uma ferida expos-
Você descora as cores dos corais na cos-
Você aquece a terra e enriquece à cus-
Do roubo do futuro e da beleza augus-
Mas de que vale tal riqueza, grande bos-
Parece que de neto seu você não gos-
Você decreta morte à vida ainda em vis-
Você declara guerra à paz por mais benquis-
Não há em toda a fauna um animal tão bes-
Mas já tem gente vendo que você não pres-
Não vou dizer seu nome porque me desgas-
Pra bom entendedor meia palavra bas-
Publicado na “Folha de S.Paulo” (“Ilustrada”), em 5/3/2008, sob o título “Músico devorou poemas de fôlego”
Nos anos 60 Augusto de Campos viu em Caetano Veloso e Gilberto Gil dois sucessores, nos tempos modernos, dos trovadores provençais da Idade Média. Nos 70 Allen Ginsberg aludiu aos “bardos e menestréis” medievais a propósito de Bob Dylan (em “Songs of Redemption”, texto sobre as canções do álbum “Desire”).
Canções: assim eram chamados os poemas trovadorescos (um dos momentos em que a poesia e a música estiveram mais próximas), todos eles cantados. Não seria um despropósito anunciar o show que Dylan faz nesta semana em São Paulo e no Rio como um concerto de “canções” na acepção poético-literária do termo. Não é outra coisa senão uma sucessão delas cada apresentação sua.
Não se sabe exatamente o que ele canta: toda noite o repertório muda. Uns dois terços das músicas são antigas, entre elas exemplares daquelas coisas inefáveis, velhas conhecidas sempre vivas na memória e duráveis no tempo: “Like a Rolling Stone”, “It´s Allright, Ma”, “Blowing in the Wind”… De certo, isto: umas seis composições, que variam a cada show, são do novo disco.
“Modern Times” é uma obra da maturidade, uma reunião de “songs of experience” com certo pendor para tons graves, fazendo corresponder a voz do letrista e a do cantor hoje; para atmosferas misteriosas, noturnas, monólogos interiores e versos reflexivos, inclusive sobre o sentido da vida e o destino de cada um. Canções-pensamento. Nessa linha, baladas como “When The Deal Goes Down” e “Workingman´s Blues” constituem momentos tocantes.
Mas há também lugar para rock´n´roll (“Thunder on The Mountain”) e rhythm´n´blues (“Someday Baby”, “The Leeve´s Gonna Break”). Para canções de amor sobre mulheres difíceis; canções de trabalho rural; cenas da natureza. Para o comentário crítico-social e imagens como esta: “Algumas pessoas na estrada carregando tudo que têm;/ Algumas pessoas com pele bastante apenas para cobrir seus ossos”.
A força das imagens ainda é uma das marcas da poesia de Dylan, assim como a onipresença das rimas, as aliterações faiscantes e a eloquência, a abundância dos versos.
Ninguém escreveu letras tão longas antes dele (nem depois). Cole Porter, Ira Gershwin e Lorenz Hart as praticaram, mas elas não são regra em suas obras. Nem na de Woody Guthrie, menos ainda na de Robert Johnson, para citar duas grandes influências sofridas por Dylan.
De onde então ele as “tirou”? Da poesia dos livros. Na sua formação, o jovem que adotou seu nome artístico por causa de Dylan Thomas e incluiu Rimbaud em seu paideuma, ou altar, particular, se acostumou a devorar e a decorar poemas de longo fôlego, como contam as suas “Chronicles”, livro de reminiscências.
Em “No Direction Home”, o belo documentário de Martin Scorcese que, entre outros benefícios, está levando a nova geração a descobrir Dylan, Ginsberg faz uma revelação. Diz que, ao ouvi-lo pela primeira vez (cantando “A Hard Rain´s A-Gonna Fall”), chorou, “porque pareceu que a tocha havia sido passada para uma outra geração”.
Dylan já afirmou que não é poeta. Que poeta é (era) Ginsberg. Chico Buarque também já fez questão de dizer que não é poeta – que poeta são Drummond, Bandeira… Mas não adianta. Nós não acreditamos. Continuamos a vê-los também como poetas. Poetas populares da canção. Mestres da palavra cantada.