Arquivo da categoria: Moreno Veloso

As Cotas

O preto, o pardo, o indígena, no final das contas,
O pobre, o excluído, foi levado em conta,
E o colorido das escolas tomou conta,
Num não à colonização e numa afronta
À escravidão e à exclusão escrotas,
Com as cotas.

E de orgulho renovou-se a nossa cota,
E de alegria que revive e não se esgota
E que resgata o sonho, a esperança morta.
E campi renovaram-se com outras
Visões e perspectivas, percepções e óticas,
Com as cotas.

As cotas abrem portas e comportas
Duma represa de potências que brotam,
E mudam mundos, mudam vidas que importam
E que já não hão de passar incógnitas,
E na nação hão de brilhar indômitas,
Com as cotas.

As cotas
Abrem portas…

Pra corrigirmos nosso rumo, nossa rota,
E interrompermos um rosário de derrotas,
E sermos hexa, sermos hepta, sermos octa,
E afirmarmos uma força apoteótica,
E escrevermos uma história de quem opta
Pelas cotas.

As cotas
Abrem portas.

O empenho do cotista dá na vista, isto se nota,
E o desempenho é igual ao que é geral em média e nota.
E é isto que revela cada estudo, cada amostra.
Nas salas, corredores e no campus, tudo mostra
As cores do país do povo de que a gente gosta;
As caras do Brasil que a gente aprova e no que aposta.
E a prova da aprovação das cotas, a resposta
De tal questão, nas universidades tá exposta:
Que racial e socialmente mesmo só se dota
De um corpo discente justo justo se se adotam
As cotas,
As cotas.

As cotas
Abrem portas.

E já que a vil desigualdade nos revolta,
E já se viu que há de vir reviravolta,
E a biodiversidade humana nos exorta,
E um plano de oportunidades mil aporta
E deixa a casa-grande e a branquitude atônitas,
Com as cotas…

E um mero rato de um meritocrata arrota
Seu ideário ideal de ideias rotas,
O deputado que é de fato e que denota
Que é democrático, que não é um hipócrita,
Um bosta, um lambe-botas, não se obsta
E não boicota e não sabota, e vota
Pelas cotas.

As cotas
Abrem portas.

O filho do pedreiro, a filhota
Da faxineira vão ter cota,
E já que nossas cotas são anticaóticas
E antirracistas, dignas de nota,
E antidistópicas porém não são exóticas,
Já que são tópicas e utópicas, são ótimas
Nossas cotas.

As cotas
Abrem portas.

Para Onde Vamos?

Para onde vamos? Ah, onde vamos parar?
Nessa encruzilhada, que estrada vamos pegar?
Que perigo de mau tempo, temporal,
De temperatura em alta e de desastre existe pra todos nós afinal?

Que desmatamento ou incêndio ou inundação
Nossos olhos tristes ainda inundarão?
Que geleira tem que ainda derreter,
Pra quebrar a pedra de gelo que tem no peito quem tem um alto e podre poder?

Quanto tempo vamos seguir sem de fato agir
Contra a gana por grana que só faz destruir?
Quantos homens, aos milhares, aos milhões,
Vão morrer de fome e de sede, vítimas de ações de outros homens, de outras nações?

Que será do mundo que vemos, que mundo nós
Deixaremos às gerações que virão após?
Que futuro preparamos, que manhã?
Nosso tino ou desatino hoje define nosso destino aqui amanhã.

*

Canção Pra Ti


do álbum “Poesia” de 2018

Canção pra Ti

Música de Ana Carolina e Moreno Veloso

Por te querer de cara e coração
Preciso te fazer uma canção

Que seja bela, que se possa amar
Como um golaço, um passe de Neymar
Como um passo no ar do Grupo Corpo
O cello de Jaques Morelenbaum
A rima e o ritmo de Mano Brown
Em cada frase, estrofe e no refrão
Será que eu sou capaz de tal canção?

Que tenha algo em excesso ou algo excelso
Como uma peça, um ato de Zé Celso
Como um poema de Augusto de Campos
Como uma letra de Arnaldo Antunes
Como uma estampa de Alberto Pitta
A mim não falte empenho e arte, não
Será que eu sou capaz de tal canção?

Que valha o investimento de neurônios
Qual pensamento de Antonio Cicero
Qual um ensaio de Risério, Antonio,
Qual uma ideia de Rogério Duarte
Qual um cenário de Helio Eichbauer
De pau ereto (power) de tesão
Será que eu sou capaz de tal canção?

Que revele um requinte em mots et son
Como um desfile de Gisele Bundchen
Como uma foto de Bob Wolfenson
Como a visão de Eduardo Viveiros
E como a voz de Sonia Guajajara
Com rima rara e aliteração
Preciso te fazer essa canção

Que luza qual poema em raio laser
Como a ciência de Marcelo Gleiser
O axé de Mãe Carmen do Gantois
O fôlego e a yoga de Iyengar
E a palavra-chave de Kikuchi
Que um outro escute com muita atenção
Será que eu sou capaz de tal canção?

Que alegre e que comova no seu auge
Como o cinema de Pedro Almodóvar
Como o Tanztheater de Pina Bausch
Como a chegada da Estação Primeira
Como a saída do Ilê Aiyê
Que dê ideia da minha afeição
Será que eu sou capaz de tal canção?

Na qual não haja nada fosco ou tosco
Qual um artigo de Francisco Bosco
Qual uma tradução de Boris Schnaiderman
Qual realização de Yael Steiner
Qual um menu da chef Bela Gil
Por seres uma em mil se faz então
Preciso te fazer essa canção

Que seja foda, aguda, fina, chique
Qual livro de José Miguel Wisnik
E a moda na São Paulo Fashion Week
E fique no YouTube e se remixe
E no teu coração enfim se fixe
Te quero tanto, com tanta paixão
Que é capaz de eu ser capaz de tal canção

Tão Fundo É o Mar (How Deep Is The Ocean)


de “Nego”, de Carlos Rennó

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O quanto eu te amo
Eu vou te contar:
Tão alto é o céu,
Tão fundo é o mar.

Por dia quantas vezes em ti penso eu?
Em quantas rosas orvalho choveu?

Quão longe eu iria
Pra estar onde estás?
Quão longe é a jornada
Pra estrela lilás?

Se eu te perder um dia,
Quanto eu vou chorar?
Quão alto é o céu?
Quão fundo é o mar?

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How much do I love you?
I´ll tell you no lie.
How deep is the ocean?
How high is the sky?

How many times a day do I think of you?
How many roses are sprinkled with dew?

How far would I travel
To be where you are?
How far is the journey
From here to a star?

And if I ever lost you
How much would I cry?
How deep is the ocean?
How high is the sky?

Música e letra de Irving Berlin, 1932