Querem encher nossa floresta de hidrelétrica.
Que coisa besta, minha mãe, que coisa tétrica!
A hidrelétrica despreza o que é poético,
E arrasa a natureza em ritmo frenético.
Degrada bichos e lugares arqueológicos,
Depreda nichos e altares ecológicos
E rios-mares de largura quilométrica.
Por isso nunca mais queremos hidrelétrica!
Quem ama mesmo a floresta amazônica,
Não quer ver nunca a natureza desarmônica.
A usina mata o amanhã; em tom patético,
Já toda a mata grita, num sinal profético.
A gente simples, ribeirinha, vai ser vítima
Da sua ação tão ilegal quanto ilegítima.
E como as putas hidrelétricas afligem-na!
E como vai viver o bravo povo indígena?
Se o peixe vai morrer com cada rio magnífico,
Para prover mineração e frigorífico.
Quem gosta mesmo da floresta amazônica
Quer energia, sim, mas não tão anacrônica.
Naturalmente há outras fontes energéticas
Que são mais limpas, mais modernas e mais éticas.
Pois a barragem traz poluição climática.
Pois é imposta, pois é antidemocrática.
E causa o mal que nada faz enfim que finde-se:
Prostituição e violência em alto índice.
Por fim envolve corrupção, envolve escândalo.
Quem a constrói destrói a flora como um vândalo.
E como o meu direito à luz pode ser válido,
Se ele degreda um povo digno que se vale do
Grande bem, do grande dom, o das florestas (e
Se elas levam minha vista humana ao êxtase)?
Então barremos a barragem tecnocrática,
Que barra a vida livre, pródiga e errática,
Que a usina alaga, cobre e apaga como um túmulo,
Que a usina é praga, a usina é chaga, a usina é o cúmulo!
Quem ama mesmo o bioma amazônico
Não quer sujar a Terra e o ar com gás carbônico.
A usina fere com um arsenal mortífero
O sapo, a fera, a cobra, o pássaro, o mamífero.
A usina afeta o lago, o lar paradisíaco
Com um projeto louco, megalomaníaco.
A água chora sem parar de dó por isso no
Xingu, Madeira e Teles Pires em uníssono!
Ó mãe senhora, nos livrai da sina tétrica
De mais tragédia, mãe, de mais uma hidrelétrica!
Quem ama mesmo o bioma amazônico
Não quer ver nunca o ambiente desarmônico.
Domênica, Magnólia, Jesualda,
Magnética Adelita do Bidu;
A anônima Adelita lá do México;
Iná de Lupe; de Lalá, Juju;
Lola de Ricky Martin; Lola de Ray Davies;
De Buddy Holly, a bela Peggy Sue;
Suzie e Malena de Roberto, e aquela
De Pagodinho com o nobre Dudu;
Sebastiana de Rosil e Jackson;
De Gil, Luluza, Sandra, Rita Lee;
Elise de Ludwig van Beethoven;
De Julio Iglesias, Manoela e Nathalie;
Dona de Sá e Guarabyra; Donna
De Ritchie Vallens; Candida de Dawn;
Dindi de Tom e Anna de Lenine;
Aline de Christophe; Julia de John.
Só você,
Nenhuma dessas hoje eu canto, só você,
Só você
No meu playlist agora eu vou querer.
Silvia piranha, de Marcelo Nova;
Natasha, de Ouro Preto e Alvin Lee;
Zoraide e Marylou, de Roger Rocha;
Camila, do Nenhum de Nós – e eu nem aí…
“Beth-Morreu”, mais uma do Camisa;
Bete Balanço, do barão Cazuza;
E Beth Frígida, da Blitz de Evandro:
Nenhuma dessas hoje é minha musa.
Nem Mila de Netinho, nem Dalila
De Alan Tavares e o baiano Brown;
Mulher rendeira de Lampião e Zé do Norte;
Mulher elétrica de Mano Brown;
Pobre menina de Gileno e Lílian,
“´Nina” veneno de Vilhena e Ritchie;
De John Coltrane, nem Mary nem Naíma;
De Miles Davis, nem Fran nem Nefertiti.
Só você
É minha musa única, você,
Só você,
Você e mais nenhuma pode ser.
Nem a mulata, musa de Ataulfo;
Nem a caboca, musa de Barroso;
Nem a crioula, musa de Benjor;
Nem a branquinha, musa de Veloso;
Nem a dourada, musa de Nelsinho;
Nem a lourinha, musa de Braguinha;
Nem a morena, musa de Lalá;
E outra morena, mas de Gonzaguinha;
E nem a galopeira de Ocampo
E nem a violeteira de Montiel
E nem a lavadeira de Monsueto
E nem a estudante de Gardel
E nem a secretária de Amado
E nem a jardineira de Humberto
E nem a pomba-rola de Orestes
E nem a amapola de Roberto
Só você,
Que nem você há uma só: você,
Só você,
E sem você não tem mais nada a ver.
E eu digo adeus a Carol, de Sedaka,
E à Carolina Carol Bela, bem do Jorge Ben,
E à Carolina, bela do Seu Jorge,
E à de Buarque, eu digo adeus também;
Adeus à deusa Yara, mamãe d´água,
De Walter Franco, e adeus, adiós, adieu
À deusa do amor, do Olodum,
E à deusa do ébano, do Ilê Aiê;
Do cabaré, à dama de Noel,
E, do cassino, à dama de Caetano;
De Alcir Vermelho, à dama das camélias,
E à de vermelho, de Waldik Soriano;
À Maria Bethânia, de Capiba,
À Maria Bonita, de Augustín;
À Maria La Ô, a de Lecuona,
E à Maria Ninguém, de Carlos Lyra; assim…
Só você,
Dama e deusa aqui é só você;
Só você,
E com você eu quero e vou viver.
De Fábio, Estela; Stella de Caymmi,
Stella de Victor Young; de Victor Jara, Amanda;
Fada de Victor Chaves; de Vitor Martins,
Vitoriosa; Rosa e Rita de Hollanda;
Mariana do Sergião; Mariane do Marrone;
Suzanne e Marriane de Leonard Cohen;
Suzana de Bob Nelson; Suzy Q do Créédence:
Todas me põem louco, e como põem…
A “tarja preta” dos Cordeiros com Arnaldo;
Preta pretinha, de Galvão com o Moraes;
Nega neguinha, só de Bororó;
Neguinha, de Davi Moraes, e mais:
Nega maluca, de Fernando Lobo;
Doida demais, de Lindomar Castilho;
Totalmente demais, de Paes, Tavinho;
Todas eu verso mas só uma eu estribilho:
Só você,
No meu refrão rebrilha só você;
Pra você,
Minha canção de amor MPB.
Você pra mim é mais que as vagabundas,
Que as minas e que as mães dos Racionais;
É mais do que as mulheres de Martinho
Da Vila e de Toninho das Geraes;
É mais até do que pro Rappin´ Hood
São as rainhas e as mulheres pretas;
Do que o menino-Deus e o do Rio
E o leãozinho pro leão Caetas.
Você é para mim e o meu amor
Brilhante e duradouro qual diamante,
Mais que a romântica senhora tentação
Pra Silas de Oliveira, minha amante;
Mais que a Bonita para Tom Jobim
E a bonitona para Geraldo Pereira;
Mais que a moça bonita pra Pedro Luís
E que as moças do samba de Roque Ferreira.
Só você
É mais que todas outras, só você,
Só você
É mais que todas elas num só ser.
Não canto mais Bebete nem Domingas
Nem Xica nem Tereza, de Ben Jor;
Nem Drão nem Flora, do baiano Gil;
Nem Ana nem Luiza, do maior;
Já não homenageio Januária,
Joana, Ana, Bárbara, de Chico;
Nem Yoko, a nipônica de Lennon;
Nem a cabocla, de Tinoco e de Tonico;
Nem a tigresa, nem a vera gata,
Nem a camaleoa, de Caetano;
Nem mesmo a linda flor de Luiz Gonzaga,
Rosinha, do sertão pernambucano;
Nem Risoflora, a flor de Chico Science –
Nenhuma continua nos meus planos.
Nem Kátia Flávia, a flor de Fausto Fawcett;
Nem Anna Júlia, de Camelo, dos Hermanos.
Só você,
Hoje eu canto só você;
Só você,
Que eu quero porque quero por querer.
Não canto de Melô pérola negra;
De Brown e Herbert, uma brasileira;
De Ari, nem a baiana nem Maria,
Nem a Iaiá também, nem a faceira;
De Dorival, nem Dora nem Marina
Nem a morena de Itapoã;
De Vina, a garota de Ipanema;
Nem Iracema, de Adoniran.
De Jackson do Pandeiro, nem Cremilda;
De Michael Jackson, nem a Billie Jean;
De Jimi Hendrix, nem a doce Angel;
Nem Ângela nem Lígia, de Jobim;
Nem Lia, Lily Braun nem Beatriz,
Das doze deusas de Edu e Chico;
Até das trinta Leilas de Donato
E da Layla de Clapton eu abdico.
Só você,
Canto e toco só você;
Só você,
Que nem você ninguém mais pode haver.
Nem a namoradinha de um amigo
E nem a amada amante de Roberto;
E nem Michelle-ma-belle, do beatle Paul;
Nem Isabel – Bebel – de João Gilberto;
E nem B.B., la femme de Serge Gainsbourg;
Nem, de Totó, na malafemmena;
Nem a Iaiá de Zeca Pagodinho;
Nem a mulata mulatinha de Lalá;
E nem a carioca de Vinicius
E nem a tropicana de Vicente e Alceu
E nem a escurinha de Geraldo
E nem a pastorinha de Noel
E nem a namorada de Carlinhos
E nem a superstar do Tremendão
E nem a malaguenha de Lecuona
E nem a popozuda do Tigrão
Só você,
Hoje elejo e elogio só você,
Só você,
Que nem você não há nem quem nem quê.
De Haroldo Lobo com Wilson Batista,
De Mário Lago e Ataulfo Alves,
Não canto nem Emília nem Amélia:
Nenhuma tem meus vivas! nem meus salves!
Nem Polly do nirvana Kurt Cobain
E nem Roxanne, de Sting, do Police;
E nem a mina do mamona Dinho
E nem as mina – pá! – do mano Xis!
Loira de Hervê e loira do É O Tchan,
Lôra de Gabriel, o Pensador;
Laura de Mercer, Laura de Braguinha
(L´aura de Daniel, o trovador?);
Ana do Rei e Ana de Djavan,
Ana do outro rei, o do baião:
Nenhuma delas hoje cantarei:
Só outra reina no meu coração.
Só você,
Rainha aqui é só você,
Só você,
A musa dentre as musas de A a Z.
Se um dia me surgisse uma moça
Dessas que, com seus dotes e seus dons,
Inspiram parte dos compositores
Na arte das palavras e dos sons,
Tal como Madelleine, de Jacques Brel,
Ou como Madalena, de Martinho,
Ou como Madalena, de Ivan Lins,
E a manequim do tímido Paulinho;
Ou como, de Caymmi, a moça pRosa
E a musa inspiradora Doralice;
Se me surgisse uma moça dessas,
Confesso que eu talvez não resistisse;
Mas, veja bem, meu bem, minha querida:
Isso seria só por uma vez,
Uma vez só em toda a minha vida!
Ou talvez duas… mas não mais que três…
Só você…
Tô brincando com você;
Só você…
As coisas mais queridas você é:
Você pra mim é o sol da minha noite;
É como a rosa, luz de Pixinguinha;
É como a estrela pura aparecida,
A estrela a refulgir, do Poetinha;
Você, ó flor, é como a nuvem calma
No céu da alma de Luiz Vieira;
Você é como a luz do sol da vida
De Stevie Wonder, ó minha parceira.
Você é para mim e o meu amor,
Crescendo como mato em campos vastos,
Mais que a gatinha para Erasmo Carlos;
Mais que a cigana pra Ronaldo Bastos;
Mais que a divina dama pra Cartola;
Que a domna pra De Ventadorn, Bernart;
Que a honey baby para Waly Salomão
E a funny valentine pra Lorenz Hart.
Só você,
Mais que tudo e todas, só você;
Só você,
Que é todas elas juntas num só ser.
Já que depois de mais de cinco séculos
E de ene ciclos de etnogenocídio,
O índio vive, em meio a mil flagelos,
Já tendo sido morto e renascido,
Tal como o povo kadiwéu e o panará –
Demarcação já!
Demarcação já!
Já que diversos povos vêm sendo atacados,
Sem vir a ver a terra demarcada,
A começar pela primeira no Brasil
Que o branco invadiu já na chegada:
A do tupinambá –
Demarcação já!
Demarcação já!
Já que, tal qual as obras da Transamazônica,
Quando os milicos os chamavam de silvícolas,
Hoje um projeto de outras obras faraônicas,
Correndo junto da expansão agrícola,
Induz a um indicídio, vide o povo kaiowá,
Demarcação já!
Demarcação já!
Já que tem bem mais latifúndio em desmesura
Que terra indígena pelo país afora;
E já que o latifúndio é só monocultura,
Mas a T.I. é polifauna e pluriflora,
Ah!,
Demarcação já!
Demarcação já!
E um tratoriza, motosserra, transgeniza,
E o outro endeusa e diviniza a natureza:
O índio a ama por sagrada que ela é,
E o ruralista, pela grana que ela dá;
Hum… Bah!
Demarcação já!
Demarcação já!
Já que por retrospecto só o autóc-
Tone mantém compacta e muito intacta,
E não impacta, e não infecta, e se
Conecta e tem um pacto com a mata
–Sem a qual a água acabará –,
Demarcação já!
Demarcação já!
Pra que não deixem nem terras indígenas
Nem unidades de conservação
Abertas como chagas cancerígenas
Pelos efeitos da mineração
E de hidrelétricas no ventre da Amazônia, em Rondônia, no Pará…
Demarcação já!
Demarcação já!
Já que “tal qual o negro e o homossexual,
O índio é ´tudo que não presta´”, como quer
Quem quer tomar-lhe tudo que lhe resta,
Seu território, herança do ancestral,
E já que o que ele quer é o que é dele já,
Demarcação, “tá”?
Demarcação já!
Pro índio ter a aplicação do Estatuto
Que linde o seu rincão qual um reduto,
E blinde-o contra o branco mau e bruto
Que lhe roubou aquilo que era seu,
Tal como aconteceu, do pampa ao Amapá,
Demarcação lá!
Demarcação já!
Já que é assim que certos brancos agem:
Chamando-os de selvagens, se reagem,
E de não índios, se nem fingem reação
À violência e à violação
De seus direitos, de Humaitá ao Jaraguá;
Demarcação já!
Demarcação já!
Pois índio pode ter Ipad, freezer,
TV, caminhonete, “voadeira”,
Que nem por isso deixa de ser índio
Nem de querer e ter na sua aldeia
Cuia, canoa, cocar, arco, maracá.
Demarcação já!
Demarcação já!
Pra que o indígena não seja um indigente,
Um alcoólatra, um escravo ou exilado,
Ou acampado à beira duma estrada,
Ou confinado e no final um suicida,
Já velho ou jovem ou – pior – piá.
Demarcação já!
Demarcação já!
Por nós não vermos como natural
A sua morte sociocultural;
Em outros termos, por nos condoermos –
E termos como belo e absoluto
Seu contributo do tupi ao tucupi, do guarani ao guaraná.
Demarcação já!
Demarcação já!
Pois guaranis e makuxis e pataxós
Estão em nós, e somos nós, pois índio é nós;
É quem dentro de nós a gente traz, aliás,
De kaiapós e kaiowás somos xarás,
Xará.
Demarcação já!
Demarcação já!
Pra não perdermos com quem aprender
A comover-nos ao olhar e ver
As árvores, os pássaros e rios,
A chuva, a rocha, a noite, o sol, a arara
E a flor de maracujá,
Demarcação já!
Demarcação já!
Pelo respeito e pelo direito
À diferença e à diversidade
De cada etnia, cada minoria,
De cada espécie da comunidade
De seres vivos que na Terra ainda há,
Demarcação já!
Demarcação já!
Por um mundo melhor ou, pelo menos,
Algum mundo por vir; por um futuro
Melhor ou, oxalá, algum futuro;
Por eles e por nós, por todo mundo,
Que nessa barca junto todo mundo “tá”,
Demarcação já!
Demarcação já!
Já que depois que o enxame de Ibirapueras
E de Maracanãs de mata for pro chão,
Os yanomami morrerão deveras,
Mas seus xamãs seu povo vingarão,
E sobre a humanidade o céu cairá,
Demarcação já!
Demarcação já!
Já que, por isso, o plano do krenak encerra
Cantar, dançar, pra suspender o céu;
E indígena sem terra é todos sem a Terra,
É toda a civilização ao léu
Ao deus-dará.
Demarcação já!
Demarcação já!
Sem mais embromação na mesa do Palácio,
Nem mais embaço na gaveta da Justiça,
Nem mais demora nem delonga no processo,
Nem retrocesso nem pendenga no Congresso,
Nem lengalenga, nenhenhém nem blablablá!
Demarcação já!
Demarcação já!
Pra que nas terras finalmente demarcadas,
Ou autodemarcadas pelos índios,
Nem madeireiros, garimpeiros, fazendeiros,
Mandantes nem capangas nem jagunços,
Milícias nem polícias os afrontem.
Vrá!
Demarcação ontem!
Demarcação já!
E deixa o índio, deixa o índio, deixa os índios lá.