Luzia Luzia


Do Álbum “Miscelânea” de 2018

Luzia um raio de sol
Um pôr-de-sol em Trancoso
Um sinal um girassol
Um anúncio luminoso
Luzia uma nuvem rosa
Uma neve cintilante
Uma pedra preciosa
Um verdadeiro brilhante
Luzia um feixe de gêiser
Uma taça de cristal
Um poema em raio laser
Uma aurora boreal
Luzia uma mina de ouro
Uma aura um tesouro
Uma tela de TV
Luzia você

Luzia a pétala fina
Luzia a pérola clara
Luzia a gema da mina
Luzia a jóia mais rara
Luzia o fogo mais lindo
Do Rio no réveillon
Copacabana explodindo
E o seu nome em neon
Luzia a gota de orvalho
Numa pétala de flor
Uma camélia no galho
Uma lágrima de amor
Luzia o grão da alegria
A fonte da fantasia
Luzia a flor do querer
Luzia
Luzia você

Luzia a chuva de prata
Do meu luar do sertão
Luzia o facho na mata
Da serra na cerração
Luzia o farol de Olinda
O pingo de mel na boca
Mistério que se deslinda
E o botão da rosa louca
Luzia a cálida chama
Dessa flor desabrochando
Luzia a pálida flama
Do olhar da santa gozando
Luzia um brinco um farol
Um anel um videowall
Luzia um véu um buquê
Luzia
Luzia você

Luzia uma lantejoula
Do rural maracatu
Luzia a flor da papoula
De um ipê no Pacaembu
Luzia o fogo do afago
O claro brilho do olhar
Luzia a lua no lago
No qual eu fui me afogar
Luzia a estrela no véu
Da minha noite sem fim
Luzia o espelho do céu
Luzia o céu para mim
Luzia tudo que eu via
Tudo que eu vejo e veria
Tudo que eu desejo ver
Luzia
Luzia você

Tá?


do álbum “Poesia”de 2018

Tá?

Pra bom entendedor meia palavra bas-
Eu vou denunciar a sua ação nefas-
Você amarga o mar, desflora a flores-
Por onde você passa, o ar você empes-
Não tem medida a sua sanha imediatis-
Não tem limite o seu sonho consumis-
Você deixou na mata uma ferida expos-
Você descora as cores dos corais na cos-
Você aquece a terra e enriquece à cus-
Do roubo do futuro e da beleza augus-
Mas de que vale tal riqueza, grande bos-
Parece que de neto seu você não gos-
Você decreta morte à vida ainda em vis-
Você declara guerra à paz por mais benquis-
Não há em toda a fauna um animal tão bes-
Mas já tem gente vendo que você não pres-
Não vou dizer seu nome porque me desgas-
Pra bom entendedor meia palavra bas-

Tá?

O Momento


Do Álbum “Poesia” 2018

Tem um momento (que de todos é diverso)
Em que você se une ao todo, ao universo

O tempo então congela (feito lá no pólo)
Seu ego some, seu eu ergue-se do solo

E sai voando entre as estrelas na amplidão
Você se torna uma delas na explosão

Dentro de si você vê uma grande luz
Rompem-se todas as amarras e tabus

Você mergulha e chega à raiz da vida
Bebe na fonte do seu jorro sem medida

Enquanto escuta a doce música distante
Que toca fundo, ao fundo, infinda, nesse instante

A eternidade então num lapso encapsula
E a divisão entre você e o outro é nula

Esse estado não é nenhum sonho impossível
Algo irreal ou ideal, ou desse nível

Nem tá vedado à multidão de abandonados
E reservado só a alguns iluminados

Mas ao alcance de nós todos, qualquer um
De qualquer homem ou qualquer mulher comum

Você não chega lá por uma fé num deus
Cê chega lá porque então cê é um deus

Já cega por um raio de um clarão tremendo
A carne do seu ser põe-se a vibrar, tremendo

Esse é o momento, enfim, de sol e nebulosa
Em que você, meu caro, minha cara, …

– Go-o-o-o-o-o-o-o-o-o-o-za!… –

… goza

Signs of Life on Mars


do álbum “Miscelânea” de 2018

Late at night, here we are
Under the moon and the stars
And while we wonder, although so far
We search for signs of life on Mars

In a Martian dust storm, we´ll find a trace
A trace of life in distant, ancient days
Hoping to find hope in another place
Far away from here, in space

There in space life´s rare
Here there is life ev´rywhere
But we destroy it, don´t even care
As we go seek for life elsewhere

In a Martian dust storm, we´ll find a trace
A trace of life in distant, ancient days
Hoping to find hope in another place
Far away from here, in space

Black hole and dark matter:
Who´ll shed light on that matter?
Galaxies spreading more and more…
Universe in expansion
Is like a big big dance or
A question without answer:
What´s beyond and what was there
Before the Cosmos big-banged?
Did it need a god to plan it?
What if life came from the red planet?
We are the cosmic conscience
Of the world known.
Looking for life.
Got lots of water,
Methane, nitrogen, ozone.
We are nothing and we´re everything
Before the great unknown.

After we know what there is
In the Martian subsurface
There will be other mysteries
Newer and bigger than this

Will we see the world at its birth
As a time machine in reverse?
Are there other planets like the Earth
Or are we alone in the universe?

Composta em 2010

Solidão Cósmica


do álbum “Miscelânea” de 2018

Mais de cem bilhões de estrelas
De planetas, um trilhão
(Na galáxia)
Viajando com o bando
De galáxias no além-céu

Numa profusão silvestre
De centenas de bilhões
(No universo)
Cada uma com um mundo
Sim, de mundos, um sem-fim

Amplidão
Cósmica
Solidão

E um frio
(Quase um pavor)
Um silêncio
Um império
(Que não têm igual)

Entrevendo entre elas
Uma nuvem de algodão
(Na galáxia)
Penso em outro ser pensando
Noutros seres como eu

Numa Terra extraterrestre
De longínquas regiões
(Do universo)
Cada vez mais longe e fundo
Estendendo seu confim:

Expansão
Cósmica
Solidão

Um vazio
(Cada vez maior)
Um silêncio
Um mistério
(Que não têm final…)

 

Canção Pra Ti


do álbum “Poesia” de 2018

Canção pra Ti

Música de Ana Carolina e Moreno Veloso

Por te querer de cara e coração
Preciso te fazer uma canção

Que seja bela, que se possa amar
Como um golaço, um passe de Neymar
Como um passo no ar do Grupo Corpo
O cello de Jaques Morelenbaum
A rima e o ritmo de Mano Brown
Em cada frase, estrofe e no refrão
Será que eu sou capaz de tal canção?

Que tenha algo em excesso ou algo excelso
Como uma peça, um ato de Zé Celso
Como um poema de Augusto de Campos
Como uma letra de Arnaldo Antunes
Como uma estampa de Alberto Pitta
A mim não falte empenho e arte, não
Será que eu sou capaz de tal canção?

Que valha o investimento de neurônios
Qual pensamento de Antonio Cicero
Qual um ensaio de Risério, Antonio,
Qual uma ideia de Rogério Duarte
Qual um cenário de Helio Eichbauer
De pau ereto (power) de tesão
Será que eu sou capaz de tal canção?

Que revele um requinte em mots et son
Como um desfile de Gisele Bundchen
Como uma foto de Bob Wolfenson
Como a visão de Eduardo Viveiros
E como a voz de Sonia Guajajara
Com rima rara e aliteração
Preciso te fazer essa canção

Que luza qual poema em raio laser
Como a ciência de Marcelo Gleiser
O axé de Mãe Carmen do Gantois
O fôlego e a yoga de Iyengar
E a palavra-chave de Kikuchi
Que um outro escute com muita atenção
Será que eu sou capaz de tal canção?

Que alegre e que comova no seu auge
Como o cinema de Pedro Almodóvar
Como o Tanztheater de Pina Bausch
Como a chegada da Estação Primeira
Como a saída do Ilê Aiyê
Que dê ideia da minha afeição
Será que eu sou capaz de tal canção?

Na qual não haja nada fosco ou tosco
Qual um artigo de Francisco Bosco
Qual uma tradução de Boris Schnaiderman
Qual realização de Yael Steiner
Qual um menu da chef Bela Gil
Por seres uma em mil se faz então
Preciso te fazer essa canção

Que seja foda, aguda, fina, chique
Qual livro de José Miguel Wisnik
E a moda na São Paulo Fashion Week
E fique no YouTube e se remixe
E no teu coração enfim se fixe
Te quero tanto, com tanta paixão
Que é capaz de eu ser capaz de tal canção

Com Você, Sem Você

Com Você, Sem Você

Eu com você
Baião com acordeão
Samba com bamba
Futebol com gol
Bahia com alegria
Arpoador com o pôr
Com você, meu amor
Que é a rima melhor pra mim

Eu sem você
Pelé sem pé
Pássaro sem asa
Orgasmo sem órgão
Kama Sutra sem cama
Pornô sem pôr
Sem você, meu amor
Que é a parte melhor de mim

Você, meu amor
É a parte melhor de mim!

Eu com você
Passarinho com ninho
Candomblé com axé
Jesus com luz
Sexo com nexo
Amor com humor
Com você, meu amor
Que é a rima melhor pra mim

Eu sem você
Caminhão sem caminho
Floresta sem flora
Cinema sem cena
Teatro sem ato
Arco-íris sem cor
Sem você, meu amor
Que é a parte melhor de mim

Você, meu amor
É a parte melhor de mim!

Eu com você
Arquiteto com projeto
Viagem com bagagem
Abraço com amasso
Nordeste com o Agreste
Salvador com o Pelô
Com você, meu amor
Que é a rima melhor pra mim

Você, meu amor
É a rima melhor pra mim!

Doce Loucura

Doce Loucura

Não quero cuca nem cocada,
Não quero trufa nem pudim nem strudel,
Não quero bomba nem bom-bom em celofane.

Quero ficar me lambuzando
Em longos beijos, lânguidas lambidas,
Entre seus lábios, suas pernas, baby-honey.

Doçura é o seu amor, amor:
Não há bom-bom tão bom, com tal sabor.
Eis o mel melhor, o mel dos méis:
Amor da cuca até os pés.

Não quero ácido nem álcool,
Não quero êxtase nem pó nem crack,
Não quero cânhamo (maconha), só um “beize”…

Quero pirar com seu sorriso
E por seu corpo perder o juízo,
Transando sexo com você; you drive me crazy.

Loucura é o seu amor, amor:
Nenhum barato pode ser maior.
Eis o coquetel dos coquetéis:
Amor do coco até os pés.

Não quero doce,
Não quero bala,
Não quero coca nem tampouco chocolate.

Loucura, eu quero seu amor – amor:
Nenhum barato pode ser maior.
Eis o coquetel dos coquetéis:
Eu fico louco,
Você, maluca,
Da cuca-coco até os pés.

Não quero cookie nem cocada,

Caterina

Caterina

Gata Catê, catita Cá, bonita Cate,
Colírio pra visão, perfume pra narina.
Feliz de quem te toque e pela mão te cate,
Em Nova York, Sampa ou Santa Catarina.
Tudo iluminas, tudo luz, quando tu vens, com cate-
Goria, num vestido lindo de vitrina.
Meu intelecto dança se de lá pra cá te
Vendo passando, leve como dançarina.

Meu coração amante manda que eu acate
A lei do teu desejo, minha csarina,
E pede que teu corpo em flor não se recate,
Nesse meu peito que pandeira e tamborina.
Teus seios vitaminam mais do que abacate.
Teus lábios deliciam mais que nectarina.
Não há quem mais cative, quem mais desacate,
Enquanto eu me encanto, e quanto, Caterina.

The Tragedy of Angelica

The Tragedy of Angelica

The Tragedy of Angelica

The tragedy of Angelica – Act One

Here is my canticle
Unsystematical
Which is so typical
When one is not physical
My epic poetry
Rhymed with absurdity
Done with rapidity
And with insanity

I loved Angelica
She was so colorless
Had no salubrity
Only timidity
She was malignant
And her rapacity
Made my esophagus
Laugh very heavily

In a cold evening
In the big theater
We heard the notable
Virtuoso pianist
Outside was Zephyrus
Spoiling the spectacle
Therefore Angelica
Became asthmatical

The tragedy of Angelica – Act Two

I took Angelica
To a good hospital
And found a specialist
With prices moderate
Upon examining
It was so terrible
She had the cholera
And also syphilis

I ran immedi´tely
To buy some medicine
And also strychnine
To help her agony
A stupid pharmacist
Was irresponsible
Confused the formula
Made it illegible

He wasn´t scrupulous
He was ridiculous
Changing the elements
In all recipients
I hurried back speedily
Thirteen kilometers
Riding my bicycle
Faster than lightening

The tragedy of Angelica – Act Three

In a hot afternoon
As she was shivering
I gave Angelica
That drug or medicine
Such an experiment
Brought her no merriment
She drank two chalices
And got paralysis

What a fatality
What a calamity
It was an overdose
To her esophagus
The thing I gave to ´er
Would bring a grave to ´er
She cri-ed terribly
And di-ed instantly

Her dad got serious
Found it mysterious
A man so curious
Became so furious
Got many manias
A miscellanea
Of neurasthenia
And schizophrenia

The tragedy of Angelica – Fourth and Last Act

So died Angelica
And in her tumulus
She was lugubrious
And quite inanimate
After the autopsy
The doctors diagnosed
That my Angelica´s
Ill was inveterate

But in her memory
Made a sarcophagus
Black like the ebony
Near the asparagus
In the green botany
She lives in harmony
In the monotony
Of immortality

And as an epitaph
Poetic dolorous
I wrote an epigraph
Pathetic amorous:
“Here lies Angelica
Who lived in palaces
A girl so glamorous
Died in paralysis”

*

O Drama de Angélica

O Drama de Angélica – Primeiro Ato

Ouve meu cântico
Quase sem ritmo
Que a voz de um tísico
Magro esquelético
Poesia épica
Em forma esdrúxula
Feita sem métrica
Com rima rápida

Amei Angélica
Mulher anêmica
De cores pálidas
E gestos tímidos
Era maligna
E tinha ímpetos
De fazer cócegas
No meu esôfago

Em noite frígida
Fomos ao lírico
Ouvir o músico
Pianista célebre
Soprava o zéfiro
Ventinho úmido
Então Angélica
Ficou asmática

O Drama de Angélica – Segundo Ato

Fomos ao médico
De muita clínica
Com muita prática
E preço módico
Depois do inquérito
Descobre o clínico
O mal atávico
Mal sifilítico

Mandou-me o célere
Comprar noz vômica
E ácido cítrico
Para o seu fígado
O farmacêutico
Mocinho estúpido
Errou na fórmula
Fez despropósito

Não tendo escrúpulo
Deu-me sem rótulo
Ácido fênico
E ácido prússico
Corri mui lépido
Mais de um quilômetro
Num bonde elétrico
De força múltipla

O Drama de Angélica – Terceiro Ato

O dia cálido
Deixou-me tépido
Achei Angélica
Já toda trêmula
A terapêutica
Dose alopática
Lhe dei em xícara
De ferro ágate

Tomou num fôlego
Triste e bucólica
Esta estrambólica
Droga fatídica
Caiu no esôfago
Deixou-a lívida
Dando-lhe cólica
E morte trágica

O pai de Angélica
Chefe do tráfego
Homem carnívoro
Ficou perplexo
Por ser estrábico
Usava óculos
Um vidro côncavo
Outro convexo

O Drama de Angélica – Quarto e Último Ato

Morreu Angélica
De um modo lúgubre
Moléstia crônica
Levou-a ao túmulo
Foi feita a autópsia
Todos os médicos
Foram unânimes
No diagnóstico

Fiz-lhe um sarcófago
Assaz artístico
Todo de mármore
Da cor do ébano
E sobre o túmulo
Uma estatística
Coisa metódica
Como “Os Lusíadas”

E numa lápide
Paralelepípedo
Pus esse dístico
Terno e simbólico:
“Cá jaz Angélica,
Moça hiperbólica,
Beleza helênica,
Morreu de cólica!”

Música e letra de Alvarenga e M.G. Barreto
1943

Star-Filled Night

Star-Filled Night

Late at night and stars all beaming;
Oh the stillness seems like dreaming
Of a flowing forest river
Like a pouring rain of silver
Splendid moonlight from above.

Though you’re sleeping, it is you who
I´m singing of,
While the moon in all its glory
Can’t but hear the tearful story
Of this love.

Moonlight,
With your silver sheen above me,
Wake this woman oh so lovely.
Oh what longing, ardent yearning,
As my lips for hers keep burning.

Can’t you
Hear me singing as she’s sleeping?
She won’t hear my heart is leaping.
Oh can’t you see?
No, the moon is not sorry for me;
Just because on calling you I insist,
She hides behind the mystic mist.

Now the moon shines with disdain there,
And she´s so pensive and so vain there,
And the stars that seem so calm rise
Like a dizzy flood of fire-flies
O’er the glossy silver moon.

All the starry sky fell silent
To hear the tune,
With your name in the refrain
In complaints so full of pain
To the moon.

Late at night and stars all beaming;
Oh the stillness seems like dreaming
Of a flowing forest river
Like a pouring rain of silver
Splendid moonlight from above.

Though you’re sleeping, it is you who
I´m singing of,
While the moon in all its glory
Can’t but hear the tearful story
Of this love.

Moonlight,
With your silver sheen above me,
Wake this woman oh so lovely.
Oh what longing, ardent yearning,
As my lips for hers keep burning.

Can’t you
Hear me singing as she’s sleeping?
She won’t hear my heart is leaping.
Oh can’t you see?
No, the moon is not sorry for me;
Just because on calling you I insist,
She hides behind the mystic mist.

Now the moon shines with disdain there,
And she´s so pensive and so vain there,
And the stars that seem so calm rise
Like a dizzy flood of fire-flies
O’er the glossy silver moon.

All the starry sky fell silent
To hear the tune,
With your name in the refrain
In complaints so full of pain
To the moon.

Noite Cheia de Estrelas

Noite alta, céu risonho;
A quietude é quase um sonho.
O luar cai sobre a mata
Qual uma chuva de prata
De raríssimo esplendor.

Só tu dormes, não escutas
O teu cantor,
Revelando à lua airosa
A história dolorosa
Deste amor.

Lua,
Manda a tua luz prateada
Despertar a minha amada.
Quero matar os meus desejos,
Sufocá-la com meus beijos.

Canto,
E a mulher que eu amo tanto
Não me escuta, está dormindo.
Canto e por fim
Nem a lua tem pena de mim,
Pois ao ver que quem te chama sou eu
Entre a neblina se escondeu.

Lá no alto a lua esquiva
Está no céu tão pensativa.
As estrelas tão serenas
Qual dilúvio de falenas
Andam tontas ao luar.

Todo o astral ficou silente,
Para escutar
O teu nome entre as endechas,
Tuas dolorosas queixas
Ao luar.

Música e letra de Cândido das Neves (Índio)
1928

*

Quede Água, Quede?


do álbum “Miscelânea” de 2018

Quede Água, Quede?

Quede água, quede?
A gente pede água,
O tempo pede água, pede.
O que te impede, água?

Quede água, quede?
A terra pede água.
O homem pede água, pede.
Quem por nós intercede, água?

Quede água, quede?
A fome pede água,
A sede pede água, pede.
Quem nos concede água?

Água, por que te escafedes?
Por que tu cheiras e fedes,
Água?

Quede água, quede?
A seca pede água,
O rio pede água, pede.
Mata essa sede, água.

Quede água, quede?
O bicho pede água.
A planta pede água, pede
Uma queda, um pé de água.

Quede água, quede?
A vida pede água,
O mundo pede água, pede
Um igarapé de água.

Água, por que te escafedes?
Por que tu cheiras e fedes,
Água?

Para Onde Vamos?


Do álbum “Miscelânea” de 2018

Para Onde Vamos

Para onde vamos? Ah, onde vamos parar?
Nessa encruzilhada, que estrada vamos pegar?
Que perigo de mau tempo, temporal,
De temperatura em alta e de desastre existe pra todos nós afinal?

Que deslizamento de monte, que inundação
Nossos olhos tristes ainda inundarão?
Que geleira tem que ainda derreter,
Pra quebrar a pedra de gelo que tem no peito quem tem um podre e alto poder? (*)

Quanto tempo mais alguns vão fingir que não veem
O que eles veem porém fingir lhes convém?
Quantos homens, aos milhares, aos milhões,
Vão morrer de fome e de sede, vítimas de ações de outros homens de outras nações?

Que será do mundo que vemos, que mundo nós
Deixaremos às gerações que virão após?
Que futuro desenhamos, que manhã?
Nosso tino ou desatino hoje define nosso destino aqui amanhã.

(*) Variante

Que desmate tem que ainda ocorrer,
Pra quebrar a pedra que tem no peito de quem depreda do alto e podre poder? (*)

Eu Vou Escrever Um Livro


Do álbum “Miscelânea”

Eu Vou Escrever Um Livro

Eu vou escrever
Um livro sobre você,
Para descrever
A lindeza e a delícia que é você.

O seu nome como título
Vai estar na capa, é claro,
E cada capítulo
Eu vou dedicar a tudo que me é caro:

Dos seus olhos, do seu rosto,
Ao seu modo de sorrir;
Do seu corpo, do seu gosto,
Ao seu modo de pensar e de sentir.

Umas vinte e tantas páginas
Vão tratar do assunto dos assuntos:
Dessa mágica que age nas
Horas que passamos juntos.

E entre outras coisas ternas,
Como seu riso e seu choro,
Vou explorar suas pernas,
Que é um tema que eu adoro.

Com tanta beleza,
Como diz Cássia Eller,
“Você pode ter certeza”:
Vai ser um best-seller.

Dói…Dói…


Do álbum “Miscelânea” de 2018

Dói… Dói…

Ela não deu retorno ao meu torpedo,
Nem ao email meio emocional.
Eu penso em meu destino e sinto medo,
Sozinho em minha cama de casal.

Ai, ai, o nó que dá meu peito mói.
Que mágoa má, que fim de noite mau.
Dói… dói…

Eu vi casais de namorados lá no parque,
Sarrando e sorrindo, aos beijos e amassos.
Ouvi gemidos de amantes a trepar, que
Cruzaram as paredes e os espaços.

No breu do quarto a solidão agora rói
Meu coração partido em dois pedaços.
Dói… dói…

O que eu projeto é algo que ela almeja.
Eu quero achar minh´alma gêmea, e ela, idem.
Eu a desejo mais do que ela me deseja.
Como é que às vezes os desejos não coincidem…

Sem colo nem calor, calado como um boi,
Tesão e rejeição em mim colidem.
Dói… dói…

Eu sempre estou com ela no meu pensamento.
Ao mesmo tempo nunca estive tão sozinho.
Mais do que nunca hoje aqui nesse momento
Carece de carícia o meu coraçãozinho.

Não tendo a quem me dê e a quem me doe,
Não há verão porque só eu é que andorinho.
Dói… dói…

Mulher, vem ver-me, vai, não me magoe,
Ou sai da minha mente já ruim;
E a solidão, qual verme que corrói,
Que morra ou dê enfim um fim em mim;

Me mate de repente como a um motoboy,
Não lenta e longamente assim, que assim
Dói… dói…

Eu Pra Você, Você Pra Mim


Do álbum “Miscelânea” de 2018

Eu pra Você, Você pra Mim

Chama da minha cama,
Ouro do meu tesouro,
Jasmim do meu jardim:
Assim é você pra mim.

Axé do meu candomblé,
Iemanjá do meu mar,
Cascata da minha mata,
Pirilampo do meu campo;

Paisagem da minha viagem,
Imagem da minha miragem,
Estrela da minha tela,
Carícia da minha delícia;

Enfim, o que me derrete:
Boquete no meu cacete!

Assim, assim, assim…
Assim é você pra mim.

E eu o que vou ser,
O que eu vou ser pra você?

Plateia pra sua estreia,
Monte no seu horizonte.

Vou ser sua passarela,
E você, minha Portela;
Vou ser, enfim, seu cliente,
E você, minha gerente;

Vou ser o seu operário,
E você, o meu salário;
Vou ser seu cabra-da-peste,
E você, o meu Nordeste;

Vou ser o que te completa:
Caceta em sua boceta!

É isso o que vou ser,
O que vou ser pra você.

Você, o que me derrete:
Boquete no meu cacete.

E eu, o que te completa:
Chupeta em sua boceta.

Miscelânea

1 – Eu Vou Escrever Um Livro
Luiz Tatit (voz e violão)

2- Doce Loucura
Marcelo Jeneci (voz e violão)

3- Caterina
Cacá Machado (voz e violão)
Gilberto Monte (guitarra)

4- Luzia Luzia
Jota Veloso (voz) e Guito Argolo (voz e violão)

5- Verônica
Marcelo Jeneci (voz e violão)

6- Todas Elas Juntas Num Só Ser -Número 3
Felipe Cordeiro (voz, guitarra e programação)

7- Eu Pra Você, Você Pra Mim
Geronimo Santana (voz e violão) e Edfran (percussão)

8- Com Você, Sem Você
Edu Krieger (voz, violão, guitarra, baixo e programação)

9- Dói… Dói…
Zeca Baleiro (voz e violão)

10- Star- Filled Night
Marcelo Tápia (voz) e
Daniel Tápia (violão)

11- Solidão Cósmica
Cecília Stanzione (voz), Mário Céve (flauta e arranjo)
e Adriano Souza (piano acústico e elétrico)

12- Para Onde Vamos?
Beto Villares (voz e violão) e Dustan Gallas (violão, piano e teclados)

13- Signs of Life on Mars
Antonio Pinto (voz e instrumentos);
Ensemble São Paulo (quarteto de cordas)
Tadeu Jungle e Fred Rahau Mauro (videoclipe)

14- Quede Água, Quede?
Chico César (voz e violão)

15- Vó
Vicente Barreto (voz e violão)

16- Idade Média Moderna
Pedro Luís

17- The Tragedy of América
Hique Gomez (voz e teclado)

“Miscelânea” se constitui num álbum exclusivamente digital, reunindo dezessete canções até então inéditas cujas letras foram publicadas no livro “Canções” (editora Perspectiva), de 2018. O livro traz também os QR Codes das gravações, na maioria feitas especialmente para a obra e apresentando parcerias as mais diversas já feitas pelo autor.

Canções

“Canções”, de Carlos Rennó, pela editora Perspectiva, lançamento de 2018, constitui-se numa reunião de grande parte das letras do autor apresentadas em subdivisões temáticas que vão das canções socioambientais e políticas às lírico-amorosas, incluindo parte das suas versões de clássicos norteamericanos em transcrições bilíngues. O livro traz apreciações críticas da obra assinadas por José Miguel Wisnik, Marcelo Tápia e Antonio Cicero (quarta-capa). Como novidade, inclui um álbum digital com dezessete canções que podem ser ouvidas fotografando-se com o celular os QR Codes correspondentes, que se encontram impressos numa das partes do livro.

Átimo de Pó

Átimo de Pó

Entre a célula e o céu
O DNA e Deus
O quark e a Via-Láctea
A bactéria e a galáxia

Entre agora e o eon
O íon e Órion
A lua e o magnéton
Entre a estrela e o elétron
Entre o glóbulo e o globo blue

Eu
Um cosmos em mim só
Um átimo de pó
Assim: do yang ao yin

Eu
E o nada, nada não
O vasto, vasto vão
Do espaço até o spin

Do sem-fim além de mim
Ao sem-fim aquém de mim
Den´ de mim